sexta-feira, 24 de maio de 2024

Como vemos


Deparei com a frase: “Não vemos as coisas como elas são; as vemos, como nós somos.” E resolvi pensar a respeito. Será que, invés de sujeitos ímpares, racionais, inteligentes, somos mera extensão da paisagem?

Que uma pessoa tende a projetar sobre outra, seus apreços, sejam bons, sejam maus, faz sentido. Quanto mais honesta uma alma, mais chances terá de ser enganada, por presumir presentes nos elementos de sua interação, os mesmos valores que encontra em si.

Por outro lado, quanto mais vil, mas torpe, indigno de confiança alguém for, mais desconfiado; dado, saber por experiência própria, que não se pode confiar em qualquer um.

Que essa nuance empírica, tende a pincelar traços em nossas almas, parece indiscutível.

Entretanto, se levarmos a ideia às últimas consequências, descobriremos, fatalmente, que ela não foi feita para ir tão longe assim.

A Bíblia relata a saga de Ló, que, vivendo numa sociedade semelhante à atual, Sodoma, esteve para aquele habitat, como o cisne, no lago dos patos. Tornou-se o “patinho feio”, pela não conformidade de traços, com os habitantes; “Porque este justo, habitando entre eles, afligia todos os dias sua alma justa, pelo que via e ouvia sobre suas obras injustas.” II Ped 2;8 Viu aos sodomitas como eles eram; não, como ele era. Ló era justo; aqueles, injustos.

Logo, nem sempre vemos as coisas como somos. A capacidade racional dada ao homem, permite que ele interprete, mesmo linguagens não expressas; entrelinhas, mensagens tácitas, linguagem corporal; é capaz de uma leitura sagaz do que observa, a despeito de concordar com o que vê, ou não. Foi feito um observador autônomo, não, necessariamente, uma amálgama com o ambiente.

Além disso, também não podemos levar às últimas consequências o “diga-me com quem andas, e te direi quem és.” Se, “andar” significar estritamente, identidade de gostos e valores, sim; porém, situações especiais nos forçam a andar ao lado de qualquer um, discordando pontualmente, dele; até mesmo, ignorando quais valores defende, em quais coisas acredita.

Se, na confusão de línguas em Babel, cada um, por razões óbvias, buscou andar com aquele que falava o mesmo idioma, separando-se dos demais, nas questões morais, espirituais, comportamentais, nem sempre é assim. Um pleito comum, dependendo da relevância dele, pode colocar nas ruas uma massa, em defesa do mesmo. Essa é um mosaico de “eus” totalmente distintos, que, sem maiores traços semelhantes, com apenas um interesse confluente, andam juntos, por determinado tempo.

Se, cada um visse as coisas rigorosamente como ele é, forçosa seria a conclusão que todos são obras acabadas. O crescimento seria impensável. Nossas limitações, tanto empíricas, quanto racionais, fatalmente deixam vasto espaço para um vir a ser. Digo, mostram que precisamos crescer, melhorar; se somos algo, esse algo é um somatório de imperfeições, de lapsos, que precisam ser supridos. Mais correto seria dizer que estamos, nesse ou naquele estágio, que, presumir que somos.

Então, voltando à projeção de valores, creio que vemos às coisas, certamente sob influência do “mirante” no qual estamos. Não significa que ficaremos sempre ali; antes, temos possibilidade de andar, subir; ampliando assim, o campo da visão, lograremos lonjuras maiores.

Cada um vê as coisas com a luz que possui. No que tange a Deus, porque a Luz Dele evidencia nossas imperfeições, a maioria tende a se manter distante.

Afinal, a vaidade do homem natural tolhe que admita ser visto como realmente é; mesmo fazendo todas as coisas do seu desastrado jeito, deseja a aprovação que só é possível agindo do jeito de Deus. “Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz, não vem para a luz, para que suas obras não sejam reprovadas.” Jo 3;20 O ensino é: “não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.” Rom 12;2

Saímos, pois, da esfera meramente intelectual, o que podemos ver, para a volitiva; como desejamos ser vistos. Porque a vontade costuma suplantar a verdade; nem sempre, o que vemos logra melhorar o que somos. Tendemos a escolher nossa vontade em detrimento da Divina; “Porquanto, tendo conhecido a Deus, não O glorificaram como Deus, nem Lhe deram graças...” Rom 1;21

Se vejo “mal lavadas” as roupas brancas da vizinha, porque minha vidraça está suja, isso é um derivado do hábito fugaz, de negar minhas imperfeições. 

Quem se deixa purificar pela regeneração da Palavra de Deus, como o cego curado em dois tempos, por Jesus, primeiro viu o propósito ao nosso respeito, dar frutos; “Vejo os homens... como árvores que andam. Depois disto, tornou a por-lhe as mãos sobre os olhos, e o fez olhar para cima: ele ficou restaurado, e viu todos, claramente.” Mc 8;24 e 25

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