quinta-feira, 28 de março de 2024

Máscaras


“Tive vergonha de mim mesmo, quando percebi que a vida é um baile de máscaras, e participei com o meu rosto verdadeiro.” Franz Kafka

Intrigante frase do escritor judeu Tcheco. Essa “vergonha” de modo irônico, como uma diatribe à desfaçatez adjacente foi versada também por Ruy Barbosa, em sua célebre frase: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

Todo o homem que vai ao “baile de máscaras” da vida com seu rosto verdadeiro, a rigor, tem vergonha de ser desonesto; de ser flagrado nalguma forma de improbidade. Aquela “vergonha” assumida, é seu modo oblíquo de depreciar à falta de pejo dos falsos.

Grande parte das repreensões de Jesus Cristo foram contra a hipocrisia, um mal com a idade da humanidade. 

Não é tão fácil como pode parecer a alguém descuidado, a “arte” de sermos verdadeiros, full time.

Não que um homem decente adote a mentira, ou a hipocrisia. Mas, nem sempre é oportuno ser transparente e veraz, pelas consequências que nossa forma de pensar ou de ver, trariam em determinados ambientes, se fossem categoricamente, expressas.

Então, sem mentir, podemos silenciar, omitir, protelar certas falas, tendo uma visão mais ampla das possíveis consequências.

Mesmo Jesus Cristo, A Verdade encarnada, não falou tudo aos discípulos, em atenção ao momento e as limitações deles; disse: “Ainda tenho muito que vos dizer, mas vós não podeis suportar agora.” Jo 16:12

O Salvador não ia sonegar nada da verdade que eles careciam saber; porém, sobre certas coisas não achou oportuno falar, então. Prometeu que O Espírito Santo completaria a Obra que Ele começara; “Mas, quando vier aquele Espírito de verdade, Ele vos guiará em toda a verdade; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que há de vir.” Jo 16:13

Salomão desaconselhara a precipitação e o preciosismo que poderiam ter consequências danosas contra seu próprio agente; “Não sejas demasiadamente justo, nem demasiadamente sábio; por que destruirias a ti mesmo?” Ecl 7:16

Ele fora feito o mais sábio dentre todos os homens, contudo, de posse da sabedoria, mais que apreciar ao seu valor, sentiu seu peso; “... me engrandeci, sobrepujei em sabedoria a todos os que houve antes de mim em Jerusalém; meu coração contemplou abundantemente a sabedoria e o conhecimento. Apliquei o meu coração a conhecer a sabedoria e a conhecer os desvarios e as loucuras, e vim a saber que também isto era aflição de espírito. Porque na muita sabedoria há muito enfado; o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor.” Ecl 1:16 a 18

“Não sejas demasiadamente sábio,”
pois, não parece ser o sentido do conselho. Sabedoria é algo tão difícil, além do dom Divino requer a prática do que aprendemos, e suportar as limitações adjacentes, que, mais facilmente se aconselharia alguém a buscar luz, invés de, tendo-a, abrir mão dela.

O que ele está aconselhando é que não sejamos precipitados, nem entremos em pleitos que não valem à pena. Mesmo sabendo o que dizer em determinada situação, não digamos tudo, afinal, “Até o tolo, quando se cala, é reputado por sábio; o que cerra os seus lábios é tido por entendido.” Prov 17:28

Assim, voltando a Kafka, eventualmente precisamos de uma “máscara” inocente. Em casos que, nosso “rosto verdadeiro” não faria boa figura.

A discussão entre iguais, desde que por métodos honestos e propósito sadio, como a busca pela verdade, eventualmente, tem lá seus frutos. Mesmo que, os “ferrões” dos argumentos contrários nos firam as pretensões, o mel da edificação compensa tais dores.

Entretanto, discutir com mentecaptos, fanáticos, desonestos intelectuais, que buscam por isso, porque, de alguma forma nossas vidas os emulam, seria estupidez. Teríamos as ferroadas sem possibilidade de nenhum mel, como ir mexer com marimbondos.

Deixar os medíocres na limitação da mediocridade, e relegar os irrelevantes às suas insignificâncias, é também, uma profilaxia necessária, visando a preservação da saúde de nossas almas.

Em linhas gerais, pois, um homem decente vai ao “palco” com seu rosto verdadeiro. Porém, suas “queimaduras de gato escaldado”, o fazem seletivo quanto às águas das quais prefere se manter distante.

O “sábio aos próprios olhos”, pelo espelho distorcido no qual se admira, não aceita nada que esteja divorciado das suas idiossincrasias. 

O homem prudente que não se interessa por aplausos nem carece provar nada; muitas vezes prefere ter paz, a ter razão.

Com algum tempo bem aproveitado, na estrada da vida, é possível adquirir discernimento, para ver as formas que se ocultam debaixo das máscaras.

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