Todavia, seguia presa a atenção, como se, o fio de linha, cabo de aço, fosse.
Tantas dispersões atrativas clamando por olhares, a alma cativa ao seu dilema, de ouvidos moucos aos clamores. A esposa tecendo comentários sobre biquinis e maiôs transeuntes; eventualmente, sonhando com a delícia que deve ser, voar de paraglider, como alguns faziam; noutro instante, a tonalidade ferrugem das águas do mar ganhava comentários, que investigavam o porquê. - Que mal tem se o mar deseja pintar de ruivos, seus cabelos? Desconversava, para voltar ao vero “problema.”
Vendedores de quinquilharias, também recebiam seu quinhão da atenção dela; o “véio” aqui, absorto em seu dilema gramatical, diante do anúncio: “Aluga-se cadeiras e guarda-sóis”. Está certo assim?
Num primeiro momento, a sensação que seria, “guardas-sóis”; depois, pensando melhor, o verbo não flexiona nesse caso, apenas o substantivo; então está correto. É mesmo guarda-sóis. Essa conclusão demandou muitos minutos.
Porém, meu ponto aqui não é gramatical; antes, filosófico. Em que estágio da vida, nossa alma se desprende das veleidades ordinárias e começa a se importar mais com minúcias assim? Em que tempo, os prazeres sensoriais são relegados ao segundo plano, e, necessidades psíquicas e espirituais passam na frente?
Não estou dizendo que considerar questões assim, seja prerrogativa de velhos; tampouco, que deem prazer. Mas, tende a mão do tempo, a deixar digitais naquilo que toca; e querer ver cada coisa no devido lugar, atrevo-me a pensar que seja nuance duma alma relativamente saudável; que passou na alameda dos dias ajuntando alguns hábitos salubres.
Outrora, quando mais jovem, estou certo que as “paisagens” transeuntes, receberiam melhor atenção, e erros bem crassos nas escritas adjacentes não seriam alvos de apreços. Talvez, sequer fossem percebidos. Porém, basta o curso do tempo para essa mudança?
Muitas vezes a geada dos dias cobre-nos os pelos, sem que a alma mude seus apelos, num sinal que segue crua, inculta, a espera tardia do arroteador. Como se, o tempo lograsse a magia de passar sem deixar pegadas. Há uma notável diferença entre existir e viver.
É certo que, certa gravidade prudente nos jovens, e um quê de espírito aventureiro, punção de vida, nos mais maduros são “anomalias” saudáveis. Porém, se alguém apenas envelhecer sem “sofrer” o efeito colateral da maturidade, aí sim, teremos uma anomalia preocupante.
Tudo que vemos, filtramos, segundo uma escala de valores interna, que desconsidera alguns eventos e potencializa outros, por razões que nos escapam.
Assim, o que desde cedo avivava brasas no alto da “torre”, para fazer ali mesmo seu almoço, foi visto; os pescadores que mesclavam prazer com coleta de pão no alto das rochas, idem; bem como os surfistas num dia em que pulsar na crista da onda não parecia mui favorável; as muitas pessoas que iam de um lado para outro, pelo mero prazer de andar à beira-mar. Alguns com suas cuias, sorviam seus “amargos” domados pela doçura do paladar adquirido.
Os balões, claro! Como ignorar seu bailado, sua riqueza de cores, forjando um mosaico móvel nos ares? Mas seu desfile tem prazo de validade; então, já tinham voltado ao camarim.
Todas essas coisas se deixaram ver, em muitos casos, indiferentes ao apreço de quem as via. Cada um simplesmente se ocupava do que aprazia fazer num momento de folga. O que ensejou minha curiosidade e essa abordagem, foi precisamente, meu “lazer” ter se ocupado de observar a tudo, como se a vida me oferecesse amplo armário, encarregando-me de sistematizar seus incidentes, colocando cada um na devida prateleira.
Sempre tive a escala de valores, como uma despensa de convicções, um depósito moral, cujo teor forjaria minha capacidade aferidora e serviria para me situar antes às circunstâncias. Agora já me sinto inclinado a pensar que, além das nuances morais, algumas tonalidades culturais também emprestam cores a essa escala.
Do alto desse mirante, a impressão que fica é que o coração e o cérebro seguem caminhos opostos; enquanto o “motor” arrefece suas turbinas, pela redução da “octanagem” do seu combustível, o ser pensante que tivera opacos, os seus vidros, pelas gotículas da efervescência sensorial enfim, começa a ver mais longe sem carecer muito esforço.
A vida tem seus encantos em todo o tempo. Desde a infância, na juventude e quando, em pleno vigor varonil. Todas as belezas estão sempre por perto. Porém, o logro das paixões nos leva a desejar ardentemente algumas coisas apenas, cegando-nos às demais; maturidade plena é, quando todas as luzes são acesas.
“Quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a. Ela é abundante em prazeres se souberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão entre os mais doces da vida de um homem. Mesmo quando tenhas alcançado o limite extremo dos anos, estes ainda reservam prazeres.” Sêneca
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