domingo, 17 de setembro de 2023

Os girassóis


“Mas eu desconfio que a única pessoa livre, realmente livre, é a que não tem medo do ridículo.” Luís Fernando Veríssimo

É vero, Veríssimo. A chamada opinião pública é a efervescência das manipulações coletivas inoculadas, às quais, contrariar seria uma heresia, uma temeridade. Só um livre ousaria.

A ditadura para dominação de uma geração cunhou a expressão, “politicamente correto”, como se fossem antolhos, que restringem até onde os bichos podem ver. Além disso ninguém pode ir sem que, a patrulha do pensamento lhe dê uma dura enquadrada.

Um homem livre pode ver o que quiser; interpretar o que vê como bem lhe parecer, mesmo que, aos olhos do “sistema”, soe ridículo, como disse o escritor. Dependendo de onde vem, a pedrada é o mais eloquente dos elogios.

A ressignificação dos valores a serviço da desconstrução das virtudes, aprovadas pelo uso durante milênios, forjou pódios multicores para o vício, em torno dos quais, faz veemente defesa. Como se, cores fossem qualidades, barulho, argumentos.

A água é tributária à fonte, não a quem bebe; assim, a verdade independe do apreço de quem a ouve, e a liberdade, da anuência de quem a aquilata. Livre não é quem se submete a uma imposição social, antes, quem se coaduna à própria consciência.

Alhures deparei com uma afirmação que me fez pensar: “Não pretendo convencer ninguém; isso equivaleria à colonização do outro.” Ao dizer algo assim, já estão dadas velas ao barco das manipulações; pois, quem achar bem pensado o dito, embarcará na nau da falsa malandragem, e já estará fincando estacas na nova colônia do ‘deixe eu ser Deus e cuidar das coisas que eu quero’. O “não pretendo convencer a ninguém”, é um oblíquo grito de defesa, um pedido de socorro: “Não tente me convencer de nada”.

Ora, quem difunde coisas, via ideias, frases, fotos, anúncios, está fazendo o quê? Tentando convencer de algo.

O pensador; da validade de suas ideias; o anunciante; das vantagens de seu produto; o que expõe nuances de seu viver; de que está vivendo bem, ou, que deseja meios para estar; quem partilha fotos, também quer deixar patente que tem certos predicados... 

Se, alguém se supõe não afetado ao ponto de que, nada de alheio importa a si, que se retire para uma caverna e viva alienado de tudo. Agora, defender essa “moral” de eremita semeando vasto campo nas redes sociais, é arfar em bandos como hienas, desejando o status de hibernante solitário, como urso polar. Quer vender seu peixe a todos, enquanto finge que nem gosta de pescar.

A interatividade que as redes sociais propiciam é cultivada no aspecto da autodivinização, de mostrar o próprio músculo; deplorada, rechaçada, no que ela tem de melhor; a possibilidade de crescimento mútuo, mediante troca de aprendizados, experiências, ensinos. Quem dera, pudesse “colonizar” alguém sobre isso!

A desonestidade intelectual é pior do que a ignorância; pois, a falta de luz, pode ser, mera contingência; a de caráter é uma escolha. A luz a serviço do vício, O Salvador deplorou como sendo as piores trevas; “Se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão tais trevas!” Disse.

Enfim, não é medo do ridículo que pessoas assim têm; antes, medo de que o “lobo mau” de uma argumentação sólida sopre contra as cabanas de palha de suas pretensões vãs, e os exponha à luz, como realmente são; medíocres.

Quando um “filósofo” dessa estirpe ensina: “Que cada um cuide da sua vida, esse é o caminho”; sem perceber, porque não está acostumado a isso, o tal, está dando um conselho a “cada um” contradizendo sua “filosofia” que prescreve o oposto. A não “colonização” via conselhos.

Estamos condenados à interação. Qualquer coisa que eu diga, tipo, “não estou nem aí!” será dito a alguém; ainda que eu gritasse na suposta caverna do eremita, ela me devolveria o eco.

O que não podemos é impor nada a ninguém; mas, se nossos argumentos puderem, de alguma forma, ajudar na reflexão sobre as escolhas virtuosas da vida, isso será uma iluminação, invés de uma invasão colonizadora.

Nossos cérebros nasceram virgens de conhecimento. Cada “invasão” plantou algo neles; somos, em nossas percepções, o resultado disso. O que é uma boa leitura, senão, o nos colocarmos à mercê da luz alheia, em busca da ampliação da nossa?

Benditos “colonizadores” que araram os campos de nossa ignorância e plantaram alguns girassóis, essas plantinhas que, pela cor e o movimento, parecem sempre, querer mais luz!

Se em meu apreço adjetivei a aversão a isso de desonestidade intelectual, a busca pela luz, Salomão atribuiu aos justos; “A vereda dos justos é como a luz da aurora; vai brilhando mais e mais, até ser dia perfeito.” Prov 4;23

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