quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

O tédio


“Minha alma tem tédio da minha vida; darei livre curso à minha queixa, falarei na amargura da minha alma.” Jó 10;1

Tédio, enfado produzido por algo lento, prolixo, ou temporalmente prolongado demais, aborrecimento, cansaço, causado por cenário árido, obtuso ou estúpido; certo desgosto, ou, vazio sem causas objetivas claras.

Era como se Jó dissesse: Minha alma está cansada de viver; darei voz à minha queixa, tornarei pública minha amargura.

Palavras como queixa e amargura já delineiam em parte, as razões do tédio. A queixa, geralmente deriva de uma sensação de injustiça; amargura é a consequência do prolongamento dessa sensação. Muitas vezes, é produto de um processo lento, paulatino que se instala sem sequer ser percebido; só é notado quando já se está entediado.

Ao sabor da rotina, expectativas, antes alvissareiras podem acabar em decepção; o que fora deslumbramento se tornar desencanto; no fim do túnel, acabar em desespero. A alegria de viver vai saindo devagar, a arte de sonhar, projetar coisas, aos poucos guarda suas “ferramentas”; o homem, outrora feliz, se torna aborrecido, de mal com a vida. Nisso o budismo acerta; excessivo desejo de ter, acaba sendo um feitor de dores. Os pré-socráticos diziam: “desejar mui violentamente a algo, cega-nos para as demais coisas.”

Cristo Ensinou a não excursionarmos muito aos tempos intangíveis; “Não vos inquieteis pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si. Basta a cada dia seu mal.” Mat 6;34

Quantas vezes alguém se acha nostálgico, incapaz de diagnosticar o que o deixa assim; sentindo uma “saudade não sei de quê;” como disse Saint Exupérry.

Contudo, esse não era o caso de Jó. As razões do seu tédio não tinham digitais humanas. Não fora um processo lento, imperceptível que tolhera suas motivações. Antes, uma verdadeira tempestade causada pelo invejoso Satanás, que apostara todas suas fichas que Jó, submetido a isso, blasfemaria do Eterno.

A boa índole tende a buscar causas do infortúnio em si mesma, não apontar para razões externas, como fariam, egoísmo e arrogância. Não encontrando coisas das quais se sentisse culpado, nem por isso culpou ao Criador. Não, ao ponto de blasfemar.

Já que as coisas estão assim, estou entediado, cansado de viver. Cogitou sua morte, porém, não a desejou tanto, ao ponto de tirar a própria vida; “Por que, pois, me tiraste da madre? Ah! se então tivera expirado, e olho nenhum me visse!” v 18 suspirou. Na verdade, considerou que seria melhor nem ter nascido, que sofrer daquele modo.

As razões do seu tédio eram plausíveis, não se tratava de um mimado reclamando a volta dos mimos perdidos.

Os que buscam a morte como solução, fuga de uma vida sem sentido, tardiamente poderão descobrir que morrer assim é que não faz sentido. Napoleão Bonaparte se destacou como guerreio, não como filósofo, mas disse: “Não há nada de grande em acabar com a própria vida como quem perdeu tudo no jogo; resistir a um infortúnio imerecido requer muito mais coragem.”

Vivemos dias que, segundo certo provérbio, “tempos fáceis fazem homens fracos” de comodismo e facilidades tecnológicas, ensejando uma imensa geração de fracos, pusilânimes.

Não é preciso perder todos bens, filhos e saúde de supetão, como foi com Jó, para se cansar da vida; basta a um adolescente ter uma frustração amorosa, não receber a roupa ou o celular que deseja, para o tal esbravejar que sua vida não vale à pena, Deus É Injusto, ou tolices assim.

Os que O Senhor Chama, Deseja que se entreguem a Ele em total confiança, mesmo que nos deixe em plena escuridão; “Quem há entre vós que tema ao Senhor e ouça a voz do Seu servo? Quando andar em trevas, não tiver luz nenhuma, confie no Nome do Senhor; firme-se sobre seu Deus.” Is 50;10

Foi O Criador que colocou em nós a capacidade para os sentimentos; e não deseja que lutemos contra eles; antes, que sejamos empáticos neles; “Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram;” Rom 12;15

Todavia, nossas escolhas, decisões não devem ser pautadas por sentires, mas, pela Palavra de Deus; essa promete mudar as coisas e junto a isso, os sentimentos mudarão também; “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados;” Mat 5;4 Afinal, “... O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã.” Sal 30;5

Se as coisas inda não estão como queremos, pode ser fruto dum processo por meio do qual Deus nos molda Ele Quer. “Quando passares pelas águas Estarei contigo...” Is 43;2

Na hora da dor Jó deu vazão às suas queixas; na da retribuição, O Senhor Deus asas à Sua Graça; “... O Senhor acrescentou, em dobro, a tudo quanto Jó antes possuía.” Jó 42;10

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