domingo, 18 de agosto de 2024

Inadimplentes mentais


“Não te preocupes com as minhas escolhas; afinal, meus boletos vêm todos em meu nome.”

Deparei com essa versão mais rebuscada do, “Não fales de mim, já que não pagas as minhas contas.”

Sempre tive uma ideia mais rasa, acerca da dura rotina de pagar pelos serviços de água, energia, Internet, e parcelas várias das compras no crediário. Para mim, além de ser natural que fosse eu a pagá-las, uma vez que, fui quem usufruiu dos serviços; sempre me soou mecânico, isso, como ir ao banheiro, pelo 1 ou pelo 2; quiçá permitir a “fuga” de uma flatulência, em rigoroso cumprimento da “Lei do ventre livre”. Nada de extraordinário, pois.

Mas, em vista dessas abordagens “filosóficas” do sentido, ou do “status quo” de quem tem em dia, as devidas contas, preciso reconsiderar.

Parece que quem não fica inadimplente nessas coisas elementares, se coloca num patamar acima da crítica, no qual, lhe assistem os direitos de ser e agir como lhe aprouver, mesmo sob o risco de ferir essa ou aquela suscetibilidade. Silêncio! O sujeito paga as suas contas! Já, quem estiver inadimplente...

Desculpem os que esposam esses argumentos tão rasos, mas, não somos tão obtusos assim. O que é uma atitude obscena, senão, uma violação contra o pudor de alguém? Uma injúria, senão uma ofensa contra a dignidade de um semelhante? Uma calúnia, senão, uma difamação em desfavor do próximo? Uma crítica, senão, uma apreciação criteriosa, da opinião, ou postura de outrem? Todas essas coisas e similares, fazem parte do dia a dia, e não envolvem, necessariamente, dinheiro, pagamento de contas ou coisas que os valham.

Seria, cada ser humano, um micro planeta que orbita em redor de moedas? Não existiriam outros valores a se considerar? A nossa inserção nas redes sociais, traz anexa a admissão de que nossas vidas sejam, ao menos em parte, públicas. Eventualmente alguém discordar de nossas escolhas, ideias, se essas forem expostas, parece-me a coisa mais natural do mundo. Atribuir-me coisas que não fiz, se alguém se atrever, estará dando um tiro no pé.

Também me assiste o direito de discordar de quem discorda de mim, desde que eu pense ter motivos para tanto, sem que, em nada, esse gládio na arena das ideias envolva dinheiro, nem careça de malcriações como “argumentos.”

Muitos se fazem ácidos críticos dos Alexandres de Morais e similares, com sua sanha ditatorial atentando contra a liberdade de expressão, sem perceberem suas “carecas” luzindo no mesmo espelho.

A única coisa que espero, acerca das ideias que posto é que, quem discordar, que o faça com certo respeito, no âmbito dos argumentos, não, dos ataques pessoais.

Certa vez convivi com uma pessoa “rebelde sem causa” que fazia da arte de me provocar, seu esporte favorito. Sempre que eu evocava a necessidade de disciplina, fosse para as coisas do cotidiano, fosse para as de âmbito espiritual, ela cantarolava um trecho de antiga música do Raul Seixas: “Faça o que quiseres, pois, é tudo da lei.” Aquilo me irritava, mas eu tinha que engolir o choro.

Um belo dia um sujeito que era doente mental, andejava pelas ruas em farrapos, às vezes seminu, se deu ao direito que “escrever” um volumoso número 2, bem na “pedra-capacho” de nossa porta. Ela ao abrir pela manhã deu de cara com aquilo recente, e o “benfeitor” andando a uma centena de metros já; irada esbravejou, xingando até à terceira geração do cagão.

Quando me convidou a participar da sua indignação, sarcástico respondi: Tudo certo. Ele agiu segundo a tua filosofia. – Como? – Faça o que quiseres, pois é tudo da lei! Ela quase desviou a ira contra mim, enquanto eu ria da situação abostada.

Em geral o ser humano é assim; quando as palavras estão na ponta da língua e podem ser usadas como chicotes, cada um “doma seu leão”. Quando alguma consequência retorna ao próprio seio, se irritam e despejam impropérios.

As “Wokepíadas” de Paris mostraram esse viés. Era proibida qualquer manifestação de cunho religioso; exceto, as oficiais, dos organizadores. Jesus Cristo foi bem didático sobre a necessária isonomia: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lhes também, porque esta é a lei e os profetas.” Mat 7;12

Há uma sala de espera das palavras, chamada consciência; lá, muitos males podem ser evitados, se fizermos uma honesta triagem íntima antes de falar.

Samuel Bolton, pregador puritano dizia: “Se a consciência não for um freio, ela será um chicote.”

Assim, porque sou eu que pago as minhas contas, mesmo as dívidas verbais, serei prudente para não me endividar acima das minhas posses. Como diz um ditado hindu, “Quando falares, cuida, para que as tuas palavras sejam melhores que o teu silêncio.”

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