sábado, 10 de agosto de 2024

Cavalos alados


Dado o trágico acidente da “Voepass”, ontem, no qual 62 pessoas perderam a vida num voo entre Cascavel e Guarulhos, que caiu na cidade de Vinhedos em SP, alguns, nas redes ressuscitaram o dito que, “avião só vira notícia quando cai”; para ilustrar que, quando fazemos as coisas certas passamos despercebidos; mas, se cairmos nalgum escândalo, também nos tornaremos visíveis.

Primeiro, meu sentimento de pesar a todos os enlutados por essa tragédia, e o desejo que Deus conforte e amenize, tanto quanto possível, a tristeza deles.

Há um quê de verdade nessa abordagem; porém, tem muito de lógica também. Pois, o que é normal, ordinário, não é preciso noticiar; a “omissão” nisso subentende que tudo está correndo bem. Assim, a não informação, de certo modo também informa. Até o silêncio tem lá sua eloquência.

Depois, a queda de um avião, não é de um avião, estritamente. Muitas vidas acabam se perdendo, e esse fato é que faz o acidente da aeronave, ser tão retumbante. Um avião, por moderno e tecnológico que seja, é só um bem material que pode ser reposto; vidas são bens eternos, cuja interrupção brusca não estava nos planos de ninguém, tais perdas precisam ser informadas.

De igual modo, nós; nosso andamento normal é o esperável. Eventual queda, o fato novo que fará as pessoas mencionarem nosso nome. Também nesse caso, a não informação sossega a quem nos conhece, sabendo que, seguimos mais ou menos segundo certa rotina.

A natureza humana, pela sua ímpia inclinação, tem melhor paladar para o vício que para a virtude; para acontecimentos trágicos, que para os venturosos. Basta ver o que a mídia noticia.

Talvez, sejamos comedidos nos apreços aos bons caracteres que conhecemos, e às boas ações, pela “certeza” que o reconhecimento que não tributamos agora, poderemos fazer em momentos futuros. Em muitos casos, o futuro nunca chega, uma vez que a fatalidade ceifa a vida que admirávamos e recusávamos a admitir, de público. Daí, chegado o “agora ou nunca” as pessoas despejam os méritos de quem partiu, todos de uma vez; como que, oprimidos por uma carga, precisam descansar um pouco. Desse hábito, o dito que, as pessoas ficam boas quando morrem.

Ou, onde a admiração é permeada por certa emulação, rivalidade, melindre, inveja até, silenciamos ante a voz de prisão dos nossos escrúpulos que lembram: “Tens direito de ficar calado; tudo o que disseres pode e vai ser usado, contra você”, pelo seu rival. Desse temor inconfesso, o dito de Machado de Assis: “Podemos elogiar à vontade, está morto.”

Na verdade, estamos full time no teatro da vida. Gostando ou não, em algum momento seremos “notícia” nos lábios alheios. O que podemos e se recomenda aos cristãos, é que vivam com correção tal, que, para se falar mal dos tais, seja necessário mentir.

Se lograrmos viver segundo essa estatura moral, ainda assim, nada garante que não falarão poucas e boas ao nosso respeito. No meu caso, quando falam mal de mim, adoto a seguinte filosofia: Se o falado for verdadeiro, eu estou mal, e careço mudar; porém, se for derivado de uma visão enferma, quem fala é que precisa tratar da própria miopia; deveria eu sofrer, pelas enfermidades alheias?

Não significa que a maledicência não incomode; a primeira reação sempre acende uma centelha de ira; por isso A Palavra de Deus ensina: “Não te apresses no teu espírito a irar-te, porque a ira repousa no íntimo dos tolos.” Ecl 7;9

Se, quando conhecemos algo, ou alguém, a primeira impressão costuma ser a mais marcante, quando avaliamos aos atos alheios, a segunda impressão tende a ser a mais sábia.

Infelizmente, muito do que se nomeia, “cristianismo” no ocidente, é uma espécie de cavalo alado. O discurso enverga as alvas e longas asas da transcendência, e a prática ainda é refém dos instintos animais básicos.

Eventualmente, gastamos nosso latim tentando dividir uma migalha espiritual; nossos ouvintes recusam o crescimento, por ainda demasiado presos, à esfera natural. Alguém disse: “Quando você aponta uma estrela para um imbecil, ele olha para a ponta do seu dedo.”

O afã doentio por ser notícia, ainda é o olhar mirando um dedo ao rés do chão, de quem deveria já ter se libertado dos aplausos e das vaias, porque esses não significam nada, além da febre de quem os produz.

Todo o tempo que desperdiçamos buscando aprovação alheia, poderia ter sido usado com excelência, se o empregássemos nos melhoramentos íntimos, que nos trariam aprovação de Deus. A alguns rasteiros O Salvador disse: “... Vós sois os que justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece vossos corações, porque o que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação.” Luc 16;15

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