domingo, 8 de setembro de 2024

O lugar do outro


“...Daniel sobrepujou estes presidentes e príncipes; porque nele havia um espírito excelente; o rei pensava constituí-lo sobre todo o reino. Então os presidentes e príncipes procuravam achar ocasião contra Daniel a respeito do reino; mas não podiam achar ocasião ou culpa alguma; porque ele era fiel, não se achava nele nenhum erro nem culpa.” Dn 6;3 e 4

Eventualmente, recorro a Charles Spurgeon que disse: “Uma coisa boa não é boa, fora do seu lugar.” Em teologia, normalmente chamamos ao lugar das coisas, de contexto.

Porém, se o enfoque for filosófico, creio que a mesma realidade se fará necessária, de modo que, certas sentenças geralmente verazes, que comportam um viés relativo, carecem do concurso das coisas com as quais se relacionam, para serem verdadeiras.

Por exemplo, um dito: “Ninguém atira pedras em árvores que não têm frutos”. Isso, não raro, é usado fora do contexto; o que, embora com vestes de pretensa filosofia, caracteriza uma fraude.

Uma pessoa que agiu mal em determinada situação de seu pretérito, se, oportunamente esse mal for denunciado, primeiro, não está sendo apedrejada, antes, tendo que lidar com a realidade; segundo; o motivo, não são supostos frutos produzidos, invés disso, o lapso de algo que poderia e deveria ter sido feito, e não foi. Nesse caso, no lugar que deveria ser ocupado pelas “consequências”, algum farsante coloca as “pedras”. Devemos ter em mente que, as consequências são a crítica do tempo, no que tange às nossas atitudes.

Inegável, entretanto, que o mérito, a capacidade de alguém costuma a atrair mais desafetos que aplausos. Pois, mais facilmente se persegue uma pessoa idônea, capaz, que se denuncia outra que seja o oposto dessa. Como disse o Barão de Itararé, “De onde nada se espera, é que nada vem, mesmo.” Assim, a mediocridade, a irrelevância ceifam mais desprezo que críticas.

No caso de Daniel em Babilônia, não eram seus defeitos que lhe granjeavam adversários, antes, suas qualidades. “... porque nele havia um espírito excelente; o rei pensava constituí-lo sobre todo o reino.” Sabedores do intento real, os que desejavam para si o lugar reservado ao hebreu, o tiveram como inimigo e decidiram que precisavam se livrar dele. Claro que é mais fácil colar defeitos em outrem, que, agir de modo meritório em tempo oportuno.

Até hoje, essa doença psicológica permanece; o erro sempre está no outro; em nós, méritos, qualidades. Como alguém disse, “Reconhecemos um louco sempre que o vemos, nunca, quando o somos.”

Assim, se algum “louco” parecer destinado a um lugar que “merecemos”, natural que usemos de toda e qualquer estratégia para tirá-lo do caminho. Isso, aos olhos do “modus operandi” do homem sem noção, que se acha destinatário dos aplausos do mundo, e remetente das vaias.

Ora, com um mínimo de honestidade intelectual e moral, todos vamos nos descobrir falhos, expoentes de enganos, imperfeitos, carentes de aprendizado em todos os âmbitos. Eventualmente precisamos um “cessar-fogo” em nosso ativismo insano, para cuidar dos feridos que nossa omissão, ou precipitação ensejou.

O lugar do outro é tão sagrado, quanto, o que eventualmente for designado para mim. Se, o rei tem olhos para os méritos de Daniel, não há nada de honesto que eu possa fazer quanto a isso. Entretanto, posso me esforçar para melhorar, desenvolver em meu ser, qualidades que me façam melhor, para que, no lugar que me couber, eu venha a atuar de modo digno. Sei, são devaneios poéticos e filosóficos que a realidade insiste em negar.

Pois, não vige essa moral na terra dos homens, infelizmente. O fisiologismo, o toma lá da cá, faça isso em troca daquilo, é a “escala de valores” de gente que, pela ausência de valor, tem preço.

Nessas épocas em que, pela escolha de governantes, as almas servem espumantes invés do vinho cotidiano, digo, estão efervescentes ao frêmito do que pensam ser suas conveniências, muitas pedras voam, haja frutos nos galhos, ou não.

Mais ou menos durante três anos e meio, o teatro social abre e fecha suas cortinas meio monótono; na última metade de ano, como nas tragédias gregas, muitos personagens precisam morrer; índoles disfarçadas nas profundezas acabam saltitando na superfície. Alguns, tidos por heróis se revelam vilões; decepções assolam, permitindo uma catarse social, entre os que têm olhos um pouco além das paixões.

Os que intentaram matar a Daniel, para tomar o lugar dele, receberam de Deus, o lugar que tencionaram para ele, segundo a reta justiça Divina. Acharam que lhe cabia a cova dos leões, na mesma cova foram lançados.

Por isso, me parece que, o lugar do outro é sagrado; de certa forma, aponta para o meu. “como quereis que os homens vos façam, da mesma maneira lhes fazei vós...” Luc 6;31

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