Mostrando postagens com marcador autocrítica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador autocrítica. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

O brilho da ferrugem



“E sucedeu que, derrubando um deles uma viga, o ferro caiu na água;  clamou, e disse: Ai, meu senhor! ele era emprestado.
E disse o homem de Deus: Onde caiu? Mostrando-lhe ele, o lugar, cortou um pau, o lançou ali e fez flutuar o ferro.” II Rs 6; 5 e 6 

A intervenção de um profeta do gabarito de Eliseu para recuperar um simples machado parece de pouca importância. Se, hoje, qualquer um com aproximadamente 50 reais adquire um, não era assim, naquele tempo. A arte da forja era rara; os Filisteus geralmente inimigos de Israel a dominavam. Produtos como arados, lanças e machados era coisas de muito valor, Tanto que, o aprendiz de profeta teve que munir-se de um emprestado para sua empresa. 

Todavia, a relevância não está no valor, em si; antes, no fato de Eliseu o ter feito flutuar como se fosse de isopor. Mesmo coisas pequenas que nos angustiam são alvo dos cuidados de Deus. 

Deixando o incidente, por ora, meditemos um pouco sobre nossas ferramentas. Salomão, o mais sábio dos homens disse: “Se estiver embotado o ferro e não se afiar o corte, então se deve redobrar a força; mas, a sabedoria é excelente para dirigir.” Ecl 10; 10 Parece que Galvão Bueno aprendeu com ele; “Não é força, é jeito.” O pensador usa uma linguagem poética, não aludindo a ferramentas, estritamente. Uma vez que o “fio” sugerido é a sabedoria. 

Nossos dotes físicos, psíquicos, espirituais, são meras ferramentas, para a edificação de nossas vidas. Acontece que muitos não entendem desse modo, e se perdem como se os meios fossem fins. Segundo Mark Twain, os dois dias mais importantes de nossas vidas são; o dia em que nascemos, e o que descobrimos, porquê. Contudo, a maioria se comporta como se a vida nos devesse satisfações; o mundo estivesse em falta com nossos sonhos; não, nós outros divorciados do propósito e anseio do Criador. 

Facilmente lançamos mão das “filosofias” de buteco, tipo: “Quem não vive para servir, não serve para viver”. Mas, não é vero? É. Porém, repetir isso sem considerar a fundo até os bêbados conseguem. Sim, vivemos para servir. Primeiro a Deus que nos deu a vida; depois, ao nosso semelhante que Ele ama, e está na jornada em consórcio conosco. 

Que sentido teria um construtor, cujos “ossos do hospício” demandam que tenha certas ferramentas, que sentido, digo, invés de produzir usando-as, ficar exibindo-as ao público, como se, tê-las já  bastasse. Ora, as coisas que com elas fazemos  usando-as são a razão de ser, o fim, das mesmas. Igualmente nós, não importa, se, somos belos, sábios, fortes, simpáticos, carismáticos, estudados, etc. Essas coisas em si em nada qualificam nosso caráter. São meros meios que, uns herdamos, outros, conquistamos via esforço, mas, ainda são simples instrumentos. 

Os dons herdados nada temos com eles; os conquistados demandam nossa participação, esforço, estudo, preparo. Entretanto, nada substitui a boa índole, caráter; uma ferramenta certa nas mãos erradas obra em sociedade com o mal. A mesma ferramenta que muitos usam na construção civil, ladrões usam para arrombar cofres. Assim, a mau uso de nossos dons, se presta a finalidades vis, quando nossos caracteres não estão habituados ao culto de bons valores.

 Facilmente as pessoas detestam megeras em novelas, mulheres lindas, que fazem papel de más, pois, a feiura da alma ofusca os dotes físicos excelentes. Contudo, invés de aprendermos com isso, geralmente nos sentimos bons pelo simples fato de não sermos tão maus como aquelas detestáveis personagens. Não raro temos afiada a foice da crítica, enferrujada a da autocrítica. 

Charles Spurgeon dizia que uma coisa boa não é boa fora do seu lugar. Se alguém duvida, tire o pneu do seu carro, que é uma coisa boa e use no lugar do volante. Assim, os dons, cada um atina a determinado fim. Não usamos um serrote para fazer a barba. 

Com o disseminar das redes sociais, todos somos “mestres”. Todos têm algo a dizer, pouco ou nada, a ouvir. Afinal, podemos bravatear a vontade, espalharmos nossa “sabedoria” “control V”; mas, seria bom se nos dispuséssemos a pensar sobre nossas ferramentas e o uso, que delas temos feito. 

Admitirmos que nos faltam meios em determinadas circunstâncias não é problema; problema seria usarmos o instrumento errado para fingir que podemos solver o que nos é, eventualmente, insolúvel. De novo, Mark Twain: “ “Quando tudo o que tens é um martelo, tratarás todos os problemas como pregos.” Nem sempre as coisas se resolvem a marteladas.   

A lima da humildade pode remover a ferrugem da arrogância, e melhorar nosso fio. Ou, seguiremos fazendo força desnecessária tentando mudar os outros que não podemos, invés de cuidarmos mais de nós, que devemos.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Ocultação de cadáver



“E o mais moço deles disse ao pai: Pai dá-me a parte dos bens que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. Poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, ali desperdiçou os seus bens, vivendo dissolutamente.” Luc 15; 12 e 13.   

Geralmente pensamos no pródigo como sinônimo de erros do começo ao fim, salvo, quando “caiu a ficha”, chegou ao arrependimento e humilhou-se. Certo, não dá para advogar o que fez, exceto, se, para amenizar sua pena.

Todavia, uma coisa tinha, se, lhe faltava juízo; noção do ridículo, autocrítica. Já que estava decidido a “soltar a franga”, esbaldar-se na esbórnia, “partiu para uma terra distante”. Tanto seria ridículo ficar cantando loas à família, ao amor do Pai, bêbado no meretrício; quanto, trazer a bebida e as ditas “damas” para escandalizar a família. Afinal, a casa do Pai era local de respeito, trabalho, disciplina. Desse modo,  o fez ausente da vista dos seus.   

“Queres saber se os conselhos da noite são bons, pratique-os durante o dia”; disse o poeta Zeferino Rossa. Noutras palavras: Queres entender se são boas tuas resoluções? Pratique-as ante os olhos dos teus. O simples precisar esconder, já é íntima admissão de culpa. 

Lembro o exemplo de Moisés. “E olhou a um e a outro lado, vendo que não havia ninguém ali, matou ao egípcio e escondeu-o na areia.” Ex 2; 12 Antes do assassinato certificou-se que não haveria testemunhas; depois, ocultou o cadáver. Todavia, o próprio hebreu que defendera acabou acusando-o. 

A rigor, é impossível praticarmos algo sem que ninguém veja. Além de Deus, claro. Todo homem é tripartido; corpo, alma e espírito. Alma, fonte dos desejos; corpo, meio de expressão; o espírito, o árbitro que autoriza ou, veta as escolhas. A isso chamamos consciência. 

Quando tomamos uma decisão que, de antemão sabemos que devemos praticar em oculto, nossa alma rebelde está dizendo ao espírito que, decidiu fazer e pronto, não tá nem aí para a opinião do espírito. 

Quando Paulo evoca a lisura de sua alma chama o espírito como testemunha. “Em Cristo digo a verdade, não minto (dando-me testemunho a minha consciência no Espírito Santo): Rom 9; 1 Põe o espírito humano como testemunha ante ao Espírito Santo. Desse modo, nunca estamos sós a ponto de nossos atos não serem vistos por duas testemunhas, pelo menos; e testemunho de dois é válido no Tribunal Eterno. 

Quantas vezes presenciei pessoas saindo ao encontro dos vícios bradando: “Não quero nem saber!” Mas, quem estava fazendo saber que sua escolha era má, se, não havia censura externa? Estava direcionando sua “diatribe” contra si mesmo, contra os avisos da consciência. 

Então, aquele que oculta para praticar o erro, posto que errado, ao menos tem noção do ridículo, sua consciência ainda fala. Pior que esse é outro que, de tanto arrostar a  consciência na obstinação pelo mal, cauterizou-a; ela não “apita” mais. “Conservando a fé, e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando, fizeram naufrágio na fé.” I Tim 1; 19 Vemos, pois, que o barco da fé não afunda se, ouvirmos e seguirmos nossas consciências, senão, já era. 

Contudo, aquilatando erros de caráter temos ainda um “upgrade”. Digo, se o sem noção que perdeu o senso do ridículo é pior que outrem que se esconde para pecar, o disfarçado, o hipócrita é ainda pior. Esse sabe que seu agir é errado, conhece que o ambiente não comporta; traveste-se de justo usando falsidade. O que chamamos, lobo em pele de ovelha. 

Infelizmente, esse é o tipo mais nocivo, e comum. Daria um dedo pela aceitação humana, sem deixar de fingir a aprovação Divina. Peca na casa do Pai, com suas prostituições de alma, disfarçadas. Isaías denunciou: “Ainda que se mostre favor ao ímpio, nem por isso aprende justiça; até na terra da retidão pratica a iniqüidade, não atenta para a majestade do Senhor.” Is 26; 10 

Muitas vezes acontecem rupturas violentas em congregações; sofremos porque irmãos que eram “uma bênção” partiram para “uma terra distante”. Não raro, é Deus higienizando o rebanho, banindo ao hipócrita para seu devido lugar. 

O Salmo primeiro ensina: “...os ímpios... são como a moinha que o vento espalha. Por isso, os ímpios não subsistirão no juízo, nem, os pecadores na congregação dos justos.” Sal 1; 4 e 5 Nem toda divisão se encaixa nesse perfil, mas, quando é assim, por dolorosa que pareça, é salutar. 

Em suma, se nossas vontades enfermas forem mais fortes que a consciência, não enganemos na casa do Pai, para que à nossa dissolução não acrescentemos a hipocrisia, a profanação.

Quem sabe, como o pródigo, depois que estivermos comendo com os porcos, a consciência volte a ter nossa atenção.