quinta-feira, 23 de novembro de 2023

O tempo


“Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo: Nem ele me persegue, nem eu fujo dele, um dia a gente se encontra.” Mário Lago

Nuances de uma alma, para a qual, a passagem do tempo fez bem. A maioria dos seres, entrados em dias que conheço, tenta fugir da idade e suas marcas a qualquer preço. Chegaram a criar um eufemismo para a velhice, “a melhor idade”, para camuflagem de suas fugas.

Vestem-se de maneiras não condizentes com a sobriedade anciã, e empregam toda sorte de cores e cosméticos no afã de parecer mais jovens. A higidez da alma se paramenta de equilíbrio e elegância, sem carecer fugir de nada.

Não creio que exista uma melhor idade; quando sobra vigor falta sabedoria; quando Sophia consegue nossa atenção, o vigor já se foi; de modo que somos fadados a andar na contramão.

Cada idade pode ter uma melhor postura; um quê de gravidade no jovem, outro de espírito jovial, no velho, servem para temperar ambos os tempos. Tempero nem sempre encontrável. Quiçá, num adulto maduro.

Nélson Rodrigues disse que todo homem deveria nascer com quarenta anos. Dependendo do que entendemos por homem, talvez, nasça.

Me ponho a pensar se, não seriam as privações de saber, omissões geradas pelo engano fugaz do prazer. Quando o corpo vende saúde, o cérebro acaba esquecido; quando a neve do tempo e das consequências cobre todo o nosso verde, então esse urso avesso, o cérebro, acorda da sua hibernação e se põe a estudar o clima. Digo, as causas e consequências das dores da vida.

Tendemos a imaginar que, mero curso de tempo seja um fator a purgar os vícios e aperfeiçoar o caráter. Mas, há tantos patifes de cabelos brancos, outros, sem cabelos, arrancados pela mão do tempo... pois, na escola da vida também existem os péssimos alunos. Como disse Ruy Barbosa: “Não se impressione com os cabelos brancos; os canalhas também envelhecem.”

Muitas almas passam pelas lições do tempo com ouvidos moucos, onde os rudes campos da ignorância jamais foram arados, e seus cérebros crestam sob o peso dos anos, improdutivos, ermos, desafeitos à ousadia de pensar, ao atrevimento de criar. Viveram sempre de manipulações, e dessas dependem, dada a inépcia funcional de se mover por si. Pássaros que, em tempo de voar, tiveram suas asas cortadas, e agora as penas já não crescem de modo a possibilitar o voo.

“Ninguém te segurou pelos ombros quando ainda era tempo, e agora o barro de que você é formado secou e endureceu; ninguém conseguiria despertar o músico ou o poeta adormecido dentro de você; ou o astrônomo que talvez o habitasse antes...” Saint Exupéry

Em casos assim, embora se diga que foi tempo perdido, a rigor, foram oportunidades desperdiçadas. Essas assomam da conjunção do tempo com as circunstâncias.

Muitos apregoam o uso do tempo como se fosse um precioso néctar a escoar, do qual, devemos haurir o máximo, enquanto podemos. “Viva cada dia como se fosse o último.” Normalmente se diz, preceituando intensidade na busca de prazeres. “Curta a vida, porque a vida é curta”, o mesmo, noutras palavras.

Se, no último dia de minha vida pretendo estar em Paz com Deus, pois, devo viver assim, hoje. Pode ser o último.

Logo, quem disse que certo ócio, introspecção, meditação, não é um uso apropriado do tempo? Se, a punção do jovem o instiga a fazer trilhas, escaladas, e afins, o cérebro treinado a pensar, e a alma instigada a entender o porquê das coisas, faz disso seu “rapel” usando muito bem o seu tempo.

Se, “não é dos ligeiros a corrida”, como disse Salomão, bem pode que viva melhor que o aventureiro apressado, outro que, palmilhe as veredas da vida, no “passo do gado”, como fez Jacó em seu retorno à terra.

Claro que “tudo tem seu tempo determinado...” Salomão mesmo, no vigor da juventude esbaldou-se em amores e escreveu seus cantares, dando asas aos sentimentos;

na idade madura foi um filósofo prático, delineando as melhores escolhas pra vida com seus provérbios;

na velhice se tornou um pessimista, avaliando o parco proveito das coisas “debaixo do sol”; por fim, apontou para onde sempre deveria ter olhado: Deus. “De tudo o que se tem ouvido, o fim é: Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo o homem. Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom, quer seja mau.” Ecl 12:13,14

Assim, voltando ao poeta inicial, nosso encontro com o tempo, quando findarem nossos dias na terra, não deve trazer nenhum sobressalto, se o mesmo for, na presença, e em comunhão com Deus.

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