quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

A morte do Pelé


“A morte não é nada para nós; pois, quando existimos, não existe a morte; e quando existe a morte, não existimos mais.” Epicuro

Segundo o filósofo hedonista, pois, nossa relação com a morte é impossível; pelo menos, com a nossa própria. Embora, possamos ter contato com muitas outras, alheias. 

A exceção, talvez, sejam os poetas; esses ETs que se antecipam à mão do tempo e podem decorar o devir, (ou, seria deir?) como fez Mário Quintana, despedindo-se antecipado, de si e da cidade que amava.

“Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)
E talvez de meu repouso..."

Depois, com a mesma tinta de inspiração idealizou a morte “desejável”; “A morte deveria ser assim: um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...”

Embora essa indesejável visitante apague velas o tempo todo, eventualmente chama a alguém, cujo impacto é muito maior que costuma ser, nas senhas ordinárias, cotidianas.

O mundo se manifesta contrito, ante a partida do Rei do Futebol, Edson Arantes do Nascimento, o “Pelé.”

As pessoas que atingem a excelência em determinada arte, ou esporte, como ele, de certa forma se tornam duas; a personagem que a excelência forjou, e o ser humano, igual aos demais, que quase nem é visto, diante das nuances espetaculosas com as quais, a fama os reveste.

Pelé, estritamente, “morreu” e 1977 quando parou de jogar. Seus feitos ficaram na história, e seguiu o ser humano, com erros, acertos, virtudes, defeitos... grandes feitos não morrem; transcendem ao sono do autor e permanecem. Mas, o ser humano, Edson, era como nós, frágil, imperfeito, finito, mortal.

Teve seus dilemas familiares, relacionais, como os tem, qualquer pessoa.

Ouvindo relatos de alguns da imprensa esportiva, além dos inevitáveis encômios à trajetória brilhante que ele teve, afloraram muitas lágrimas. Osvaldo Pascoal disse: “Eu pensei que estava preparado para isso, mas não estava.”

Aflições que o atingiram, sua dura convalescença, eram de domínio público. Desconfio que a hora de se preocupar com ele, seus amigos, familiares, seria então; embora viver 82 anos atualmente, é um privilégio de poucos. Não deveria causar espanto nenhum, ser o trigo ceifado maduro.

De qualquer forma, na visão cristã não acredito que deva me preparar para a morte de ninguém, exceto, a minha. Será essa, que, quando a hora vier me guindará ao além, onde as escolhas feitas aqui, finalmente, frutificarão.

O ser humano é capaz de trair a si mesmo jurando fidelidade. Chorar pelos próprios medos, transferindo as causas para outros.

O discurso da morte possui uma eloquência única; ouvindo o tal, cada um é desafiado a repensar a própria vida. Isso é de importância imensa; Salomão chegou a considerar um funeral mais proveitoso do que uma festa. “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, porque naquela está o fim de todos os homens; os vivos o aplicam ao seu coração.” Ecl 7;2

Embora, para efeito de “notícias do além” só “retornam” os famosos, (temos cartas “psicografadas” de Dercy Gonçalves, Raul Seixas, Cazuza, Cássia Eller, Getúlio Vargas etc. nenhuma de gente comum) para lá todo iremos, famosos e anônimos.

Benjamin Franklin dizia que devemos consertar o telhado quando o sol está brilhando, não, quando chove. Assim, convém nos prepararmos para o que será no porvir, enquanto desfrutamos vida e capacidade de escolha aqui. “Enquanto se diz: Hoje, se ouvirdes a sua voz, (de Deus) não endureçais os vossos corações, como na provocação.” Heb 3;15

Quando parte um famoso, como o Pelé, a imprensa repete à exaustão seus maiores feitos; mas, do outro lado, serão os feitos do Edson que contarão.

Igualmente nós; não nossos dons, mas os frutos produzidos serão apreciados. Pouco importa o que fizermos na esfera das realizações humanas.

Os melhores momentos de um que agrada a Deus, invés de levantarem à torcida, podem abaixar nossas cabeças, em sinal de arrependimento, confissão; quiçá, estaremos de joelhos dobrados orando por quem nos fez mal, quando os anjos assistirem ao “jornal” de lá, a mencionar nossa passagem.

Minha solidariedade aos familiares e amigos do Edson, e o desejo que Deus os conforte nessa hora, sempre difícil, da separação. No que tange a ele, sincera esperança de que tenha reconciliado com Deus antes de partir, e possa conhecer bem de perto e mui venturoso, ao Rei dos Reis, Jesus Cristo.

Se ele fez isso, acredito que tenha feito, fez um gol de placa, que a eternidade há de lembrar.

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