quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Ilha da Fantasia


“O mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence. Ele repartiu por eles a fazenda. Poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua, e ali desperdiçou seus bens, vivendo dissolutamente.”

“O mais moço... o filho mais novo”.
Às vezes passamos por alto a esse detalhe. Era o mais jovem dos irmãos que acalentava desejos de aventuras, concomitantes com a aversão às responsabilidades do trabalho rotineiro.

“O sangue jovem não obedece a um velho mandado.” Shakespeare.

O tempo imprime em nossas almas, lições que recebemos na escola da vida, a experiência; o método mais doloroso de aprendizado, porém o mais eficaz.

Um jovem ainda vê a experiência pelo lado teórico, da fantasia. Essa costuma sonegar percalços, desacreditar na possibilidade de falhas, vislumbrar finais felizes para todos os incidentes, superestimar os próprios feitos, acondicionar estreitamentos futuros no vasto estado de ânimo presente, que não estará, quando o futuro vier; enfim, esperar uma cumplicidade com a sorte que nem a sorte acredita. Isso tudo devidamente fervido no caldeirão da ousadia culminará, inevitavelmente, na poção das decepções.

A precipitação do pródigo é uma “Ilha da Fantasia”, na qual, todos atracaram seus barcos. Exceto, os que ainda atracarão.

O que significa pródigo? Que dissipa seus bens, que gasta mais que o necessário; gastador, esbanjador, perdulário. Muitos, pelo uso que fazem, parecem pensar que, pródigo significa perdido, arrependido. Ele arrependeu-se quando se viu perdido, voltou; mas, não foi daí que herdou sua alcunha.

Melhor avalia os bens, quem já sofreu sua privação; um jovem, bem nascido, que de nada teve falta, não raro, despreza às águas limpas sentindo anseios por cisternas rotas.

Foi no fundo do poço, no ponto mais “alto” da sua derrocada, que viu como boas as sinas dos empregados da casa paterna; ele que vira como ruim, à própria. “Tornando em si, disse: Quantos jornaleiros de meu pai têm abundância de pão e eu aqui pereço de fome!” V 17 Se é preciso tornar a si pra recuperar a sensatez, quem a deixa, necessariamente está fora de si.

Já ouvi questionamentos sobre, onde a fidelidade é mais difícil; na carência, ou, na fartura? Experiências pretéritas de fartura, plenitude, culminaram em fracassos; um terço dos anjos, criaturas perfeitas, sem falta de nada, caíram após as seduções do inimigo; o primeiro casal, num jardim de delícias, em plena comunhão com O Criador, também sucumbiu ao comício do canhoto.

Esses eram inferiores aos anjos. Assim foram criados, sabendo a Presciência Divina que cairiam; por isso diz que “O Cordeiro foi morto antes da fundação do mundo.” Ou seja: O Resgate foi decidido e aceito, antes da queda.

Natural concluirmos que, tendo fracassado a desejada fidelidade em âmbito de fartura, de plenitude, aprouve ao Criador, produzir os caracteres desejados, a partir de um cenário de carências.

Mesmo eventuais abastados, materialmente, nas coisas que contam para a vida eterna, as espirituais, nascem indigentes, pobres; “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus;” Mat 5;3

Os vencedores daqui lidam com o mínimo necessário aos Olhos Divinos, para, aprendendo apreciar o básico, não devanear com fantasias, como o jovem mencionado. 

Por isso, independente das circunstâncias materiais nas quais vivamos, a todos os salvos O Senhor poderá dizer o mesmo: “... Bem está, bom e fiel servo. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te Colocarei; entra no gozo do teu Senhor.” Mat 25;23

A fidelidade no pouco requer o despejo de um intruso que nos invadiu; amalgamou-se às nossas almas, como se, parte delas fosse; o pecado. “Se faço o que não quero, já não faço eu, mas o pecado que habita em mim. Acho então esta lei em mim, que, quando quero fazer o bem, o mal está comigo.” Rom 7;20 e 21

O “negue a si mesmo” requerido por Cristo significa crucificarmos, via renúncia, esse “eu” que não sou eu; mas, um intruso que me escraviza, para que novo ente seja gerado, não mais escravo; liberto e regenerado, segundo O Salvador.

Quem se desgarra da casa do Pai, não carece tornar a si; antes, tornar a Cristo. “De sorte que fomos sepultados com Ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela Glória do Pai, assim andemos também em novidade de vida.” Rom 6;4

Anjos perfeitos, sem carência de nada caíram; não poucos salvos, imperfeitos, frágeis, limitados, fazem proezas, perdem vidas terrenas até, sem duvidar da Integridade Divina.

Essa ousada entrega das “coisas loucas desse mundo”, empresta sua didática até aos Céus; “Para que agora, pela igreja, a multiforme Sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos Céus.” Ef 3;10

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