terça-feira, 1 de setembro de 2020

O Necessário e o Proveitoso


Sabe aquela frase mágica que ainda não foi dita, pensada ou escrita? Eu também não sei. Morremos dez minutos em busca de uma ideia original e descobrimos ter morrido em vão. O fato de estarmos morrendo a prestação, em consórcio com o tempo não significa que não estejamos...

Se, penso contrapor a voz à quietude, vem Eduardo Galeano, ou, um provérbio hindu, prescrevendo a fala só quando for melhor, ou mais digna que o silêncio. Mas, isso é possível?

Não há dignidade em se tomar à força o lugar de outrem; não creio que as palavras brotem em atenção a valores nobres ou dignos, mas por ser uma necessidade psicológica. A alma carece “ir ao banheiro.”

Me ocorre certo personagem bíblico; “Porque estou cheio de palavras; o meu espírito me constrange. Eis que dentro de mim sou como o mosto, sem respiradouro, prestes a arrebentar, como odres novos. Falarei, para que ache alívio...” Jó 32;18 a 20 

Se, a qualidade do que se vai falar difere de uns para outros, eventualmente, a necessidade de fazê-lo é comum a todos.

O problema do silêncio é que ele fala demais, e nem sempre cabe na bainha; aí então, a palavra brota, não como planta valiosa, mas como mera intumescência, um inflado tumor, incômoda espinha.

Seguidamente recorro a uma frase de Plutarco: “A mente não é um vaso para ser cheio, mas um fogo a ser aceso.” Então, quando me disponho a pensar, e uma “Ordem Unida” de frases feitas vem bater continência, me vejo tentado a empilhar ideias alheias, onde deveria deixar que nasçam as minhas. Enfim, encher o vaso invés de acender o fogo.

Não que seja desprezível ter um depósito de boas coisas que outros pensaram antes de nós e nos deram de bandeja. Mas, a droga do lugar comum, do comodismo, da preguiça mental soam mais, como a proverbial boca torta pelo vício do cachimbo, que um bom uso da arte de falar. E nesse caso o silêncio seria mesmo mais valioso. “O tolo quando se cala é reputado por sábio”.

Se, a arte de escrever nos permite sermos tagarelas discretos, isso não muda o fato de que falamos quando poderíamos ter silenciado.

E, desculpem mas, preciso pegar um feixe da prateleira, um provérbio chinês sobre o tema; diz: “A palavra que tens dentro de ti é tua escrava; a que deixas escapar é tua senhora”. Assim, sem nenhum motivo aparente saímos alforriando nossas escravas, enquanto rumamos à senzala das cobranças, voluntariamente.

Vivemos tempos estranhos, de valores invertidos, onde se apregoa a torto e a direito que, o ser vale mais que parecer, ou mesmo, ter; e que qualidade é superior à quantidade.

Entretanto, a praticidade da vida normalmente mostra o contrário; a roupa vale mais que o corpo, as coisas anexas ao casamento, mais que o amor; o culto importa mais que Deus, a cerimônia fúnebre mais que o morto, e falar de coisas profundas mais que se aprofundar no sentido das mesmas.

O Salmo primeiro menciona como abençoado um que, depois de rejeitar maus conselhos, maus caminhos e ambientes, medita na Lei do Senhor dia e noite. O que é meditar, senão, aprofundar-se?

Adiante a figura é mui eloquente; diz que o tal será como árvore plantada junto a um curso d’água, que, mesmo em tempos de seca não deixa de dar fruto. 

Se, em tempos de estio a água não está na superfície, aquele que aprofundou suas raízes na compreensão do que é valioso, “bebe” o necessário para dar frutos, quando as circunstâncias sugerem que não.

Quantos que, em virtude da pandemia que grassa brincam que esse ano não valeu, não o somarão em suas idades, e coisas do tipo; embora o tom jocoso para muitos é sério; pensam mesmo assim. Que em tempos de restrições, do “estio” de calor humano e das festanças várias, a vida não faz sentido. Pelo medo da morte estão sujeitos à servidão, como diz em Hebreus.

Todavia, esse estio é um tempo oportuno para quem tem raízes profundas produzir frutos mais valiosos ainda.

Se, a Palavra dita se nos fará Senhora, por quê não, invés de nossas falas, repetirmos à Bendita Palavra de Deus? Fazendo isso ou não, ela tem autoridade sobre nós de qualquer maneira. “... A Palavra que tenho pregado, essa o há de julgar no último dia.” Jo 12;48

Enfim, se no prisma existencial, apenas, a cada minuto que passa morremos um minuto, para quem “Nasceu de novo” herdou vida eterna, foi feito “Plantação do Senhor” junto ao Rio da Água da Vida, esse estio de valores, mais letal que qualquer pandemia, não o faz murchar; antes, produzir oportunamente o Delicioso Fruto do Espírito.

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