quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Esqueletos nos Armários


“... Das minhas ofensas me lembro hoje;” Gen 41;9

Havia uma crise; Faraó sonhara algo que sabia ser relevante; nenhum dos seus conselheiros conseguia interpretar o sentido.

Então, o copeiro lembrou do prisioneiro José, que, dois anos antes, quando estivera preso com ele, aquele lhes interpretara corretamente a dois sonhos.

A que ofensa ele se referia? Prometera falar na casa real em defesa do preso inocente que o ajudara; “... lembra-te de mim, quando te for bem; rogo-te que uses comigo de compaixão, e faças menção de mim a Faraó; faze-me sair desta casa... O copeiro-mor, porém, não se lembrou de José, antes se esqueceu dele.” Vs 14 e 23

Geralmente em momentos de angústia somos solícitos, generosos; facilmente prometemos grandes coisas, para que sejamos livres do que, eventualmente, nos angustia; mesmo uma ninharia como a interpretação de um sonho; mas, passado o mau tempo e retornado o sol, nem sempre nos damos ao cuidado de honrarmos o que prometemos. “O telhado devemos reparar em dias de sol, não quando está chovendo.” Benjamin Franklin

Por isso O Salvador preceituou que nosso sim, deve ser sim; o não, não. Sendo o que for além disso, de procedência maligna.

Normalmente, quando pensamos em vencer a angústia são às suas dores que nos referimos; nem sempre, às tentações ao erro que essas mesmas dores podem induzir.

Salomão disse: “Se te mostrares fraco no dia da angústia é que tua força é pequena.” Prov 24;10

No entanto, usar palavras vãs, promessas fúteis para nos evadirmos a ela, não é vencê-las, mas, “acrescentar pecado a pecado,” no dito de Isaías. Como versa determinado hino da Harpa Cristã onde somos desafiados à valentia, essa engloba algo mais que triunfar às adversidades; “... a ti também vencer, sê valente!”

Há dois momentos cruciais em que nossas defesas estão fragilizadas; os angustiosos, por razões óbvias, e os de exaltação, algo não tão óbvio assim.

O que são as lisonjas, elogios desmedidos, bajulações, senão, tentações testando nossas defesas contra gente falsa que nos tenta enganar?

“Como o crisol é para a prata, o forno para o ouro, assim o homem é provado pelos louvores.” Prov 27;21

Normalmente não vemos assim, como uma prova, os elogios desmedidos. Embora sejam marcas digitais de hipocrisia, falsidade, nós incautos da silva os engolimos sem mastigar, como se fossem justas medidas de alheio reconhecimento ao nosso presumido valor.

Se na lógica mercante “quem desdenha quer comprar”, nas relações interpessoais, quem bajula quer enganar. Habacuque chegou a denunciar uns que além das bajulações faziam banquetes enganadores para descobrir segredos mediante o álcool; “Ai daquele que dá de beber ao seu companheiro! Ai de ti, que adiciona à bebida o teu furor, e o embebedas para ver sua nudez!” Hc 2;15

Às vezes a realidade precisa alguns acessórios para nos curar do torpor da nossa própria vaidade, para estabelecer diante de nós outra vez, a justa medida das coisas sem o inchaço do engano.

Ao falastrão Pedro que prometera ser fiel a Jesus mesmo à morte, o Salvador usou o canto do galo como acessório, e pontualmente expôs a fragilidade da qual ele nem desconfiava; no verso em apreço, o sonho do Faraó foi o “canto do galo” que acordou ao sonolento copeiro, para um lapso de caráter ao qual ele nem ligava, sequer percebia.

É infinito o manancial dos recursos do Pai; pode trazer insônia a Dario; um enigma “insolúvel” mediante Nabucodonosor, um leitor de crônicas perante Assuero... Qualquer coisa O Eterno usa, quando, para o bem da Sua Obra, alguma memória hibernante precisa ser desperta. A primavera de um fato novo tira o urso polar da sua letargia.

Uma máxima asiática diz que deveríamos escrever as ofensas recebidas na areia, e os benefícios na rocha. O que, outra coisa não é, senão, os preceitos do perdão e da gratidão desfilando com vestes poéticas.

Mas, quando sou eu o ofensor, não a vítima das ofensas, precisarei, como o Filho Pródigo, errar entre porcos para perceber o mal que fiz?

Numa geração doente como a atual, onde só é permitido elogios, o menor sinal de correção, ressalva, já soa a intromissão indevida, se Deus não fizer o “galo cantar” para mim, como não seguirei adormecido no confortável saco de dormir dos meus pecados?

Todos temos “esqueletos” no armário da memória e se o deixarmos fechado como se estivesse tudo bem, seguirá tudo mal; morreremos abraçados aos nossos erros, a menos que O Senhor nos desperte em tempo.

A verdade não nos embriaga para que a língua se solte; normalmente escava o “sítio arqueológico” dos nossos lapsos, para que os “ossos” passados permitam a compreensão da vida, e correção de rumos enquanto ainda dá.

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