quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Breve mente


“Escrevo-vos uma longa carta porque não tenho tempo de a escrever breve.” Voltaire

Embora a contradição verbal, onde, assoma a ideia, inicialmente avessa, que, algo extenso seria mais breve que outro, conciso, na verdade há sabedoria nessas palavras.

Tanto pode encerrar uma confissão de inépcia, quanto, uma ironia. No primeiro caso, o autor estaria se dizendo incapaz de expressar de modo mais resumido, tudo aquilo que precisaria dizer; então, o “não tenho tempo” equivaleria a, não tenho condição de fazer isso com menos palavras.

No caso da ironia, estaria ele desconfiando da capacidade dos receptores de entender a um texto mais sumário; assim, a expressão, “não tenho tempo” seria literal. Não tenho tempo para explicar o que não entenderíeis, tampouco, para escrever uma nova carta.

O poder de síntese é um dom precioso. Permite que se diga enormidades com breves falas.

Entretanto, nada valerá esse talento, sem a cumplicidade de uma audiência perspicaz.

Infelizmente, recursos retóricos como a ironia, se, usada atualmente, em 80% dos casos, ou mais, será entendida ao pé-da-letra, de modo que, precisaria ser desenhada. E, qual o sentido de usar um meio que abrevia, se, depois careceremos uma explicação que amplia? Melhor uma longa carta que uma curta, em casos assim.

Nesses dias em que a ignorância perdeu a modéstia e as mentes bebem mais de “influencers” (gente vazia com dom de encher o saco) que da filosofia, teologia, ou, psicologia; há muitas bocas e poucos ouvidos.

Toda sorte de agressões, desprezo, presunção etc. desfilam com carros alegóricos muito adornados; e o trabalho dos que se identificam com o lixo é apenas partilhar o mesmo; as desafeições e malcriações vestem bem, com seus trajes de aluguel; jogos de palavras bem cortados, combinando suas cores com o veneno da malícia e acessórios de humor; isso deveria parecer luz; mas, como nos vagalumes esse brilho acentua a parte de trás. Os cérebros inda têm recheios de certos crustáceos.

Se tivéssemos para as coisas meritórias, a perspicácia demonstrada em entender até às entrelinhas da maldade, seríamos uma geração privilegiada. Mas, em se tratando de virtude, nem mesmo uma longa carta adiantaria; depois de duas frases recusariam a ler as pretensões enxeridas, pois ninguém “se mete” em suas vidas. Quase ninguém; exceto os que enfeitam os carros-alegóricos da estupidez.

Plutarco dizia: “A mente não é um vaso para ser cheio; antes, é um fogo a ser aceso.” Eis uma “Pequena carta” que diz muito!

Desafia às cabeças a se fazerem pensantes, não meros receptáculos de pensares alheios. A ideia de convencer a alguém, como a palavra sugere, demanda uma vitória a dois; vencer com. Um propõe uma linha argumentativa qualquer, e outrem, invés de apenas anuir, avalia, pensa por si mesmo, acende seu fogo, e uma vez alcançando à razão, vence à ignorância com, o auxílio de quem o instou para esse fim.

Agora, quem está já seguro da “plenitude do seu saber”, que avalia como enxerido a qualquer que ouse discordar, divergir, como se poderá convencer, pois o tal, descarta a necessidade de lutar contra as dúvidas, uma vez que do alto mirante da sua presunção não as consegue ver?

Alguém disse que só os sábios e os idiotas jamais aprendem; aqueles porque não precisam, esses, porque não sabem que precisam.

A glamourização da idiotice e o fanatismo têm ensejado muito agressão lógica. Um filósofo da antiguidade vivendo hoje ficaria pasmo.

Pouco importa à presente geração que dois mais dois sejam quatro; se, essa soma ferir uma propensão ideológica qualquer, uma comichão de estimação, um vício, sem nenhum pudor com a matemática, os “feridos” defenderão que, doravante são cinco.

Pior, nós os defensores das coisas “antigas” não seremos coerentes e fiéis às ciências exatas, mas, meros “cincofóbicos” que fazem mal à sociedade politicamente correta.

Essa praga que algum “pragamático” criou para triturar os indivíduos e fazer uma massa, com os temperos que o capeta amassou. Da massa versou Berdiaev: “Se nos estados puramente emocionais da massa, o “eu” não sente a solidão, não é porque se comunique com um tu; antes, porque perde-se; sua consciência e individualidade são abolidos.”

Não tenho que falar com, nem como, a massa; preciso ser honesto com a consciência; minha paz de espírito vale mais que aplausos de tolos.

“Ser politicamente correto significa sempre ter que pedir desculpas. Encante-se com palavras que externam sentimentos! O politicamente correto não nos muda. Nos cala. Cuidado com os atalhos, nem sempre o caminho mais curto significa que este é o caminho certo, o que você deve seguir... Esse atalho fará você perder muito tempo se arrependendo.” G. Fiúza

Eis a sina de escrever algo mais extenso, por “falta de tempo” para a abordagem breve.

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