"E disse-lhe Jesus: Hoje veio a salvação a esta casa, pois também este é filho de Abraão.”
A
inclusão de Zaqueu na “genealogia” abraãmica se deu após uma postura de
arrependimento, não, uma comprovação genética. Embora o conceito
teológico da filiação pela fé não estivesse assente na mentalidade dos
discípulos, ( na verdade alimentavam ainda preconceitos raciais ) o
ensino estava patente; o Mestre nunca fez diferença entre judeu ou
gentio, no sentido de preferir àquele e preterir a esse; antes, sempre
socorreu quem O buscou.
Na
verdade, o precursor do Messias começou suas exortações justo contra
isso; a pretensa eleição, a despeito de frutificarem ou não; ele disse: “Produzi,
pois, frutos dignos de arrependimento, e não comeceis a dizer em vós
mesmos: Temos Abraão por pai; porque eu vos digo que até destas pedras
pode Deus suscitar filhos a Abraão. E também já está posto o machado à
raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não dá bom fruto, corta-se e
lança-se no fogo.” Luc 3; 8 e 9
Assim,
se é certo dizer que a mensagem do Batista não punha em relevo a origem
de eventuais filhos de Deus, podiam vir de Abraão ou de pedras,
colocava como essenciais, os frutos.
A inveja dos religiosos sedizentes, filhos de Abraão, testificava o contrário, como o mesmo Salvador demonstrou; “Bem sei que sois descendência de Abraão; contudo, procurais matar-me, porque a minha palavra não entra em vós.” Jo 8; 37
Descendência, O Senhor reconhecia; mas, filiação espiritual não;
“Responderam, e disseram-lhe: Nosso pai é Abraão. Jesus disse-lhes: Se
fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão.” V 39
Como Jesus desmascarou tal pretensão, ousaram dizendo-se filhos de Deus. “Se
Deus fosse o vosso Pai, certamente me amaríeis, pois que eu saí, e vim
de Deus; não vim de mim mesmo, mas ele me enviou.” V 42
Por fim, Cristo pôs o dedo na ferida e deu nome aos bois. “Por
que não entendeis a minha linguagem? Por não poderdes ouvir a minha
palavra. Vós tendes por pai ao diabo, e quereis satisfazer os desejos de
vosso pai. Ele foi homicida desde o princípio, e não se firmou na
verdade, porque não há verdade nele. Quando ele profere mentira, fala do
que lhe é próprio, porque é mentiroso, e pai da mentira.” Vs 43 e 44
Nossa
vontade determina o rumo das escolhas, essas, acabam plasmando as
“digitais” espirituais, independente da profissão de fé. “… quereis satisfazer os desejos de vosso pai…” sintetizou o Salvador, depois de denunciar que eles O queriam matar.
Alguns
escritores da praça dizem que os evangelhos são pura graça, sem
teologia, que seria meio rançosa, humana; entretanto, na introdução de
João já temos um robusto gancho onde se pode pendurar legitimamente os
mais densos tratados teológicos sobre a filiação mediante a fé; “Veio
para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a todos quantos o
receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, aos que
creem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da
carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” Jo 1; 11 a 13
Assim, Paulo não está “dando golpes no ar”, figura que ele mesmo usou. “Sabei,
pois, que os que são da fé são filhos de Abraão.” Gál 3; 7 “Porque em
Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas
sim a fé que opera pelo amor.” Gál 5; 6
É
preciso reconhecer que pleitos de alguns donos da verdade atuais é
denominacional, não, racial, como nos tempos de Jesus. Entretanto,
apostar num dogma qualquer, ou, mesmo mencionar o Nome que é sobre todos
os nomes segue sendo em si mesmo, inócuo.
Afinal, Jesus Cristo
apresentou a salvação como que, personificada; indo a Zaqueu apenas
depois que esse produziu publicamente os frutos de arrependimento
preconizados por João Batista. “… hoje veio salvação a essa casa…”
Porque,
infelizmente, na maioria das casas que o Salvador vai, a salvação não
entra; ainda que hipocritamente lhe deem boas vindas, Sua doutrina que
acompanha a graça salvífica não é recebida.
Pensar que a graça equivalha
à licença para pecar redundará em desgraça; pois, quem tem a mínima
noção sobre o quanto foi caro para ser de graça, não tripudia nem
brinca, com algo tão nobre, tão santo. “…homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus,…” Jd v 4
A
salvação acompanha O Salvador como que sendo Sua sombra; mas, só
refrigera quem se abriga humildemente na dependência de quem pode e quer
salvar. “Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará.” Sal 91; 1
“O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância.” Jo 10; 10
Nessas
vinte e três palavras temos uma síntese de todo o drama Divino-humano
que se desenrola na Terra. A vinda do ladrão, a antiga serpente
enganadora, e a réplica Divina trazendo a “Estrela de Jacó”, Jesus
Cristo. O primeiro para roubar, matar, destruir; o Segundo, para “desfazer as obras do diabo”.
Desde
o Éden ao Calvário, dezenas de profecias foram dadas aos judeus sobre a
vinda o Salvador; se bem que a da Estrela de Jacó, propriamente, veio
através de um gentio, Balaão.
Segundo
os cientistas o sol é uma estrela; sua incidência sobre a terra diverge
das demais dada a distância não a grandeza que seria muito inferior.
Pois, sobre o Senhor, há também metáforas que o fazem um Sol. Em
Malaquias, atrelado à justiça; “Mas para vós, os que temeis o
meu nome, nascerá o sol da justiça, e cura trará nas suas asas; e
saireis e saltareis como bezerros da estrebaria.” Mal 4; 2 Figura bem semelhante usou o Próprio Senhor: “…se alguém entrar por mim, salvar-se-á, e entrará, e sairá, e achará pastagens.” Jo 10; 9
Nos hinos hebraicos a bênção Divina não se divorcia da justiça, que demanda retidão. “
Porque o Senhor Deus é um sol e escudo; o Senhor dará graça e glória;
não retirará bem algum aos que andam na retidão.” Sal 84; 11 Nos lábios de Zacarias encontramos o “oriente do alto” associado à misericórdia; “Pelas entranhas da misericórdia do nosso Deus, Com que o oriente do alto nos visitou;” Luc 1; 78
Interessante que o advento do Salvador associado à justiça e à
misericórdia foi cantado nos Salmos também; ali, acrescido de outro bem,
a verdade e ensejando paz; “A misericórdia e a verdade se
encontraram; a justiça e a paz se beijaram. A verdade brotará da terra, e
a justiça olhará desde os céus.” Sal 85; 10 e 11
A bem da verdade, e em busca da paz com Deus, Justiça e misericórdia são indispensáveis para seres como nós, que vivem “entre a serpente e a Estrela” como definiu poeticamente a mulher, o cantor Zé Ramalho.
Esse
ínterim, ainda que possa ser situado cronologicamente da queda humana à
redenção em Cristo, é muito mais, nosso “status quo” espiritual, nossas
oscilações entre obediência e rebeldia, pecado e arrependimento.
Assim,
se aos olhos Divinos toda transgressão demanda o reparo da justiça, e,
nossas “posses” nos fariam eternos inadimplentes, Ele satisfaz Sua
Justiça mediante misericórdia. Imputa a nós a Justiça de Cristo,
demandando apenas, arrependimento e confissão.
Muitos
devaneiam que a existência de Deus por si só, deveria por fim a todas
as guerras, fome, enfermidades que há na terra; sendo esses fatos,
“provas” que Ele não existe. Ora, o fim dessas coisas e o paraíso
restaurado como sonham tais nefelibatas seria a prova que o diabo não
existe. Ou, estaria preso, como estará por um milênio na volta de
Cristo.
Não
que o Eterno seja sádico, isso seria blasfêmia; sim, Ele é amor, isso é
fato; e é da natureza do amor prezar pela plena liberdade de quem ama.
Essa não é possível sem arbítrio.
No mau uso do amor, pois, o “Anjo de
luz” se tornou Satanás; de igual modo a mulher, instigada pela serpente
se tornou caída e arrastou seu imprudente e também culpado marido.
Essa “herança maldita” nos vem de berço. “Portanto,
como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte,
assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos
pecaram.” Rom 5; 12
Espere!
Dirá alguém; eu nada tive com o erro de Adão e Eva, não tive escolha;
portanto, não é justo que eu seja condenado. É, esse é um lado da
questão. Entretanto, nada tivemos com a Vitória de Cristo, e não é justo
que por Ele sejamos salvos; contudo seremos, caso nos arrependamos e
decidamos Lhe obedecer; e para isso, agora temos escolha.
Paulo sintetiza: “…se
pela ofensa de um morreram muitos, muito mais a graça de Deus, e o dom
pela graça, que é de um só homem, Jesus Cristo, abundou sobre muitos.”
Rom 5; 15
Então,
você, presumido escapista, não poderá se salvar sem Ele, Jesus Cristo;
mas Nele o será, mesmo sem mérito algum. Nada vale tentar transferir a
culpa para alguém, a mordomia de sua alma é sua.
O primeiro casal,
aliás, passou a bola, ou tentou, e nada adiantou; o mesmo poeta empresta
ainda uma sentença útil: “E sei que não será surpresa se o futuro trouxer, o passado de volta…”