quinta-feira, 13 de julho de 2023

Chifres de fumaça


Pela enésima vez, deparei com a seguinte frase: “Nós não vemos as coisas como elas são; nós vemos as coisas como nós somos”.

Sob essa legenda, um rinoceronte a pintar paisagens. A cada cena, além das demais coisas, pintava um chifre vertical, pois, esse estava entre seus olhos. “Rinoceronte” no idioma original significa, chifre no nariz.

Aí me pus a pensar: A coisa faz sentido, ou não? Como figura didática em defesa da ideia, é muito boa; porém, como um axioma filosófico, temo que não seja bem assim.

Quando Ortega Y Gasset disse, por exemplo: “O homem é o homem e suas circunstâncias”, não tencionava dizer, a meu ver, que as circunstâncias o fazem. antes, que terá que lidar com elas; elas não o moldam, apenas “pautam-no”. Apresentam o “quê,” sem ingerir no “como?” Esse, dependerá de quem, o hipotético homem é.

Que nossas experiências de vida têm peso em nossas escolhas, parece uma realidade inequívoca. Qual sentido de aprendermos as coisas, se não nos serão úteis? Todavia, não nos marcam ao ponto do “gato escaldado a fugir de água fria;” esse simplismo animal excluiria o cérebro e seu insondável potencial.

Assim, que as experiências restringem nosso modo de ver, a elas, é duvidoso. Eu vejo um ladrão como ladrão, um mentiroso idem; sem significar que eu sou assim. Meu ser lê, o que a cena vista é; não define quem sou. Mas, a coisa não seria tão mera; significaria que eu reajo a cada situação em vista do que sou; dos valores que esposo.

Não gosto da ideia de que algum ser humano seja uma obra acabada. Estamos todos “em trânsito” sempre desafiados a um vir a ser; o ignorante carece ser iluminado; o imoral, confrontado pela moralidade; o cristão é desafiado ao crescimento em santificação, e o “Padrão” a atingir é elevadíssimo; “Até que todos cheguemos à unidade da fé, ao conhecimento do Filho de Deus, homem perfeito, à medida da Estatura Completa de Cristo.” Ef 4;13

Embora não leve a coisa ao eterno fluir de Heráclito, não se pode avaliar a alma humana como extática. A rigor, não somos, mas estamos. Podemos considerar as coisas que vemos, à partir do “mirante” atual; porém, nada impede que sejamos guindados a observatórios mais elevados. O curso da vida tende a isso. Podemos envelhecer infantes; mas é psicologicamente sadio e filosoficamente esperável que cresçamos um tanto, com as lições da vida.

Essa balela cansativa do seis e do nove, que dão “razão” a ambos em lados opostos é uma falácia que dá preguiça. Na imensa maioria dos casos, há como diferenciar um do outro, sim. Outros números ao lado, uma pauta, um traço sob, quando numa bola de bilhar, etc. resolvem. Entretanto, numa situação verazmente ambígua, ambos deveriam ter dúvidas, não “razão”; pois, não é próprio de um sábio a incerteza das apostas.

O que se pretende com postagens assim, não é difundir luz, antes, espalhar fumaça. A defesa mal-intencionada do relativismo, onde cada um teria sua “verdade” o que eliminaria a Verdade; isso faria, como disse Nietzsche, do homem, “a medida de todas as coisas.”

Ora, essa ideia foi plasmada bem antes do incensado filósofo, desde o Éden; “Vós mesmos sereis como Deus, sabendo o bem e o mal.” Autor: Capeta.

O relativismo vem daí; da negação do Absoluto, Deus, com a divinização do homem caído. Não é apenas filosófico o pleito, embora pareça; antes, é espiritual. Uma luta eterna está no âmago.

Cada homem tem suas opiniões, suas comichões e seus gostos, porém, a Verdade existe a despeito dessas coisas.

Sequer a inversão de valores seria possível, sem um Absoluto que definisse quais os valores a preservar. Entretanto, há um “ai” aos que assim agem; “Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, mal; que fazem das trevas luz, e da luz, trevas; fazem do amargo doce, e do doce, amargo!” Is 5;20

Que os “rinocerontes” saiam por aí pintando as gravuras e retratando nelas seus chifres é uma coisa inevitável. Mas, tais pinturas não têm um valor filosófico a ponto de definir outros “bichos”.

Muitos que pretendem ver as coisas a partir do que eles “são” não passam de trânsfugas morrendo de medo de ver honestamente, a si mesmos. O Evangelho de João relata de uma súcia de pecadores vendo uma adúltera como apedrejável. Desafiados a verem a si mesmos, soltaram as pedras.

O Ego no controle dos ímpios é o “chifre” que deforma a todas as pinturas deles. O Salvador desafiou a quem lhe ouvia a remover primeiro, o obstáculo principal; “... Se alguém quer vir após Mim, negue a si mesmo, tome cada dia sua cruz e siga-me.” Luc 9;23

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