quarta-feira, 27 de junho de 2018

A Aldeia e as Tribos

Outro dia, após um toró que caiu resolvi aproveitar parte do dia trabalhando um pouco, ainda que estivesse bastante embarrado. Estava fazendo a base de um muro que circunda a casa onde vivo.

De repente passou um sujeito, visivelmente alterado em suas faculdades, possivelmente, efeito de crack, e, resolveu me incentivar. “Isso aí, meta sal; manda ver, perverso!”

Meu instinto de defesa da honra produziu na hora o clássico revide; - Perversa é a mãe – mas, me contive, olhei o tipo virando a esquina e pensei; Deixa pra lá; do seu jeito, o cara me incentivou, elogiou.

Depois, à noite, me ocorreu de pensar novamente sobre o incidente; Eis um dilema filosófico, espiritual, com o qual têm que lidar os que pretendem transmitir valores absolutos através dos signos relativos da comunicação. A contextualização.

Quem estuda Teologia, por exemplo, na disciplina, hermenêutica, aprende o valor do contexto para identificar o sentido de uma mensagem qualquer. Não se atém às palavras em si, mas, ao significado em seu tempo e lugar, buscando a intenção do autor, e o sentido histórico; antes, que o significado para si. Se isso fosse verificado amiúde, as seitas pseudo-cristãs, que se “baseiam” na Bíblia, cairiam por terra, ao escrutínio hábil de suas crenças.

Interessante arte, a comunicação! Muitos que podem, estudam um ou mais idiomas, pois, isso amplia horizontes profissionais, abre portas, além de facilitar a compreensão da vida, nessa aldeia global que nos tornamos. Em suma, o domínio da língua nos faz world citizens. (Cidadãos do mundo)

Todavia, é comum encontrarmos “tribos” seja de surfistas, nerds, de drogados, etc, com gírias peculiares, tais, que só podem ser entendidas pelos tribais. Nesse caso, a comunicação é usada para construir cercas, antes que rompê-las. O domínio de vários idiomas nos dá o mundo, a habilidade em gírias específicas, pode nos ilhar dentro dele.

A poesia tem seu “Esperanto” como disse o Mário Quintana, sua linguagem própria, que, demanda que seus leitores sejam, de certa forma, poetas também; pois, só assim, lograrão entender plenamente a mensagem.

Mas, voltando ao “elogio”, o cara me chamou de perverso, que, possivelmente, na tribo dele, seja um sujeito hábil, jeitoso, malandro... todavia, seu significado original é bem diferente disso. É, em latim, uma aglutinação de “Permutare” mudar completamente, e “vertio” versão. Ou seja, alguém que deturpa um conceito, ensino, comportamento ou, versão; é um perverso.

Interessante que a exortação bíblica é à conversão, que traz a ideia de acompanhar uma versão confiável, ao invés de perverter, produzir uma própria. No caso de quem deixou a versão idônea e rumou pela perversão, isso demanda uma mudança radical de caminho.

Ouçamos Isaías: “Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos; se converta ao Senhor, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar. Porque os meus pensamentos não são os vossos, nem, os vossos caminhos os meus, diz o Senhor.” Is 55; 7 e 8

Acho que demorei a captar a profundidade filosófica das palavras de meu desconhecido incentivador; Se, estou fazendo um muro, de certa forma me alieno do todo, do absoluto, que é um tipo de perversão. Outra coisa que ele disse: “Meta sal”. Lá no seu idioma, em Crackópolis, deve significar algo, como, manda ver! Força!

O sal é um elemento bastante presente nas Escrituras Sagradas, tanto que, no Velho Testamento era obrigatório nas ofertas de alimento. “Todas as tuas ofertas dos teus alimentos temperarás com sal; não deixarás faltar à tua oferta de alimentos o sal da aliança do teu Deus; em todas as tuas ofertas oferecerás sal.” Lev 2; 13.

Já na Nova Aliança, o Senhor chama aos discípulos de “sal da terra” e Paulo usa a figura como símbolo de uma linguagem sóbria; “Vossa palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para que saibais como vos convém responder a cada um.” Col 4; 6 E pensar que eu quase respondi ao tipo com um palavrão...

Então, se, vista a moeda pelo meu lado eu poderia afirmar que o transeunte é catedrático em filosofia e hábil nas Escrituras; mas, a única coisa que ele fez, foi dizer: Manda ver, é isso aí!

Mas, como estamos acostumados a interpretar palavras, não, intenções, tanto apedrejamos nossos benfeitores, quanto, elegemos nossos roubadores.

O Mesmo Paulo, aliás, quando disciplinava a Igreja sobre o uso dos dons disse: “Porque, se a trombeta der sonido incerto, quem se preparará para a batalha? Assim também vós, se com a língua não pronunciardes palavras bem inteligíveis, como se entenderá o que se diz?” I Cor 14;8 e 9

Antes de partilhar informações precisamos adequação de linguagem.

“Falar é uma necessidade, escutar é uma arte”. Goethe

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