“Ele
respondeu-lhes: Aquele que me curou, ele próprio disse: Toma o teu leito, e
anda. Perguntaram-lhe, pois: Quem é o homem que te disse: Toma o teu leito, e
anda?” Jo 5; 11 e 12
Digamos que pairava certa ambiguidade naquele contexto; um
milagre espetacular, a cura de um paralítico que sofria, havia 38 anos, e uma
pequena “transgressão”, uma vez que tal milagre ocorrera num sábado. Por qual
desses dois motivos estariam os inquiridores procurando o autor? Estariam maravilhados ante a cura,
quem sabe, com outro doente para apresentar? Infelizmente, não. O motivo era
seu zelo doentio pela guarda do Sábado, como se, até fazer o bem, nele, fosse
proibido. “E por esta causa os judeus perseguiram a Jesus, e procuravam matá-lo,
porque fazia estas coisas no sábado.” V 16
Todos nós, em dado momento temos que
lidar com “ambiguidades” assim. A ênfase, a escolha, testifica de nossos
valores. Quando o zelo por uma inclinação pessoal, denominação, credo,
bandeira, agremiação, etc. se torna mais importante que uma vida, por melhores
que pareçam nossas razões, ainda estão calcadas no egoísmo, na indiferença.
A
mesma Lei, que os Fariseus pareciam tanto zelar, apregoava amar ao próximo como
a si mesmo; desse modo, curar sua enfermidade, quem conseguisse, estaria dando
vívida demonstração de amor. Tiago ensina: “Porque qualquer que guardar toda a
lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos.” Tg 2; 10
Tratando-se de ágape, o amor cristão, não existe amor fora da Lei; antes, sintetiza a razão da Lei, como ensinou O Mestre: “E
Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua
alma, de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o
segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes
dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” Mat 22; 37 a 40
Entretanto, também aqui, há o
risco de ambiguidades, deturpações, ênfase deslocada. Se, é pacífico que, amor
é o cerne de tudo, não exclui os mandamentos, criando uma doutrina humanista,
onde, quem fizer o bem ao seu próximo, independente dos laços espirituais,
estará fazendo a coisa certa. Se, o texto ensina que a Lei depende do amor, não
advoga que o amor, por si só, prescinde da Lei, antes, completam-se, como
ensinou Paulo: “E ainda que tivesse o dom de profecia, conhecesse todos os mistérios e toda a
ciência; ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os
montes, não tivesse amor, nada seria. Ainda
que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, ainda que entregasse o meu corpo para ser
queimado, não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.” I Cor 13; 2 e 3 Assim,
a Lei traça um caminho, o amor, provê motivo para caminhar.
Não se entenda com
isso, porém, que defendo o legalismo ultrapassado; antes, os mandamentos
ensinados pelo Salvador. Ademais, se alguém presume que, amar ao semelhante,
por si só, basta, a despeito das escolhas espirituais, convém lembrar que, antes
de ensinar amar ao próximo, o texto ensina amar a Deus de todo coração, de toda
alma. Minhas preferências, por hígidas que sejam, são minhas; o próximo, é dele;
se, cuidar dos interesses dele antes dos meus, estarei dando uma demonstração
madura de amor cristão.
O Senhor ensinou isso com outras palavras: “Ide, porém,
aprendei o que significa: Misericórdia quero, não sacrifício. Porque eu não vim
a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento.” Mat 9; 13 No
contexto, O Salvador saíra do convívio dos “santos” e assentara-se à mesa com os
maus.
Mas, desafiou a aprenderem o significado de uma antiga sentença: “Misericórdia
quero, não sacrifício”. Que parte eles não tinham entendido? Em misericórdia me
ocupo das carências alheias; sacrifício faço, pensando nas minhas. Aquela
faceta, pois, atua altruista; essa, de modo egoísta. Parece nobre, santo,
o que jejua; não que seja errado; mas, é engajado, ativo em amor o que
compartilha. Não são coisas excludentes, também complementares, disciplina do corpo e cuidado com as carências
alheias.
Aliás, lembrei da frase de um rabino que sintetiza maravilhosamente
isso: “As necessidades materiais de teu próximo, - disse – são as tuas
necessidades espirituais.” ( Israel de
Salant )
Sim, embora possamos, via oração, “acessar o site de Deus”, a senha
para que sejamos aceitos depende de relações horizontais. João ensina: “Se
alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão é mentiroso. Pois quem não ama a
seu irmão, ao qual viu, como pode amar Deus, a quem não viu? E dele temos este
mandamento: que quem ama a Deus, ame também a seu irmão.” Jo 4; 20 e 21
Nenhum comentário:
Postar um comentário