domingo, 23 de fevereiro de 2025

A arte de ouvir



“... de quem é o espírito que saiu de ti? Jó 26;4

Jó redarguindo a Bildade e acusando-o de chover no molhado, apresentar coisas ordinárias, platitudes, como se fosse um conselho profundo, uma reflexão autêntica, derivada da sabedoria.

Ah, as frases feitas, em seu consórcio com a preguiça mental, e com a vaidade intelectual! aquela, escusa seu paciente da dolorosa faina de pensar; essa, parte do pressuposto que se precisa falar, para não parecer que o saber achou termo. Assim, soa mais importante dizer algo, que entender o que se diz, ou a conveniência do que se vai dizer.

“Não te precipites com tua boca, nem teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma diante de Deus; porque Deus está nos Céus e tu estás sobre a terra; assim, sejam poucas as tuas palavras. Porque, da muita ocupação vêm os sonhos, a voz do tolo, da multidão das palavras.” Ecl 5;2 e 3

Nada errado com frases feitas, quando essas expressam o que queremos dizer; nesses casos, sempre as uso. Sobre a preguiça de pensar, cito Henry Ford: “Pensar é o trabalho mais pesado que há; talvez, por essa razão, tão poucos se dediquem a isso.”

E, acondicionar um monte delas, como se fossem utensílios numa prateleira, uma para cada ocasião, invés de pensar por si mesmo, recorro a Plutarco: “A mente não é um vaso para ser cheio; antes, um fogo a ser aceso.” Até podemos fazer fogo com lenha alheia; porém, a chama deve brotar do atrito das nossas pedras.”

Eventualmente, nos vemos em muitas situações em que a força das palavras se mostra insignificante, inútil; reconhecer isso deveria bastar, para que não nos metêssemos a médicos sem noção, desejando extirpar algum câncer das almas, com chazinhos caseiros. Quando uma dor é muito intensa, falas superficiais só pioram.

Certas emoções, por profundas, apenas quem as sente, pode aquilatá-las de fato. “O coração conhece sua própria amargura, e o estranho não participará no íntimo, da sua alegria.” Prov 14;10

No caso de Jó, perdera todos os bens e mesmo os filhos, de chofre, num dia apenas; num segundo momento, a própria saúde.

Assim, a chegada dos amigos para se condoer com ele, por certo ensejara alguma esperança. Se, começaram bem, oferecendo solidariedade e ficando sete dias em silêncio, dando a Jó a preferência pelo “microfone”, quando enfim, falaram, estragaram tudo.

O achismo “teológico” deles, precisava “justificar” a Deus, que, permitira tais estragos. Assim, começaram a acusar ao infeliz de coisas que não viram, das quais, não ouviram, baseados em suas presunçosas deduções. No fim, tiveram que escutar, do Próprio Senhor: “... vós não falastes de Mim o que era reto, como Meu servo, Jó.” Cap 42;8

Em dado momento da decepcionante conversa com eles, o patriarca os considerou como uma miragem. Como se, uma caravana errante e sedenta visse de longe, supostos ribeiros e mudasse seu rumo em direção aos tais; e lá chegando, não encontrasse água.

“Meus amigos aleivosamente me trataram, como um ribeiro, como a torrente dos ribeiros que passam, que estão encobertos com a geada, e neles se esconde a neve; no tempo em que se derretam com o calor, se desfazem; e em se aquentando, desaparecem do seu lugar. Desviam-se as veredas dos seus caminhos, sobem ao vácuo e perecem; os caminhantes de Temã os veem, os passageiros de Sabá esperam por eles; ficam envergonhados por terem confiado, chegando ali se confundem; agora, sois semelhantes a eles...” Jó 6;15 a 21

Criaram uma expectativa no coração do infeliz, e oportunamente o decepcionaram por inteiro. Em dado momento ponderou que, em casos de dor extrema, aflição, a compaixão deveria andar na frente da teologia; “Ao que está aflito deveria o amigo mostrar compaixão, ainda, ao que deixasse o temor do Todo Poderoso.” Cap 6;14

Notemos que essa observação foi colocada no subjuntivo; “que deixasse”, não era o caso dele, que continuava fiel, embora, gritando aos quatro ventos sua dor.

Infelizmente, a maioria das falas apressadas deriva do “ter que dizer”, não, do ter “o quê” dizer.

Nos apressamos em ser bons falantes, até em situações, onde, tudo o que é necessário é que sejamos bons ouvintes. Quando certa turba se recusou a ouvir o eloquente discurso de Estêvão, falaram todos ao mesmo tempo. “Eles gritaram com grande voz, taparam seus ouvidos, arremeteram unânimes, contra ele.” Atos 7;57

Embora, ouvidos sejam órgãos comuns a todos os homens, a vontade de ouvir quando Deus fala, não é; por isso, a preceito: “Quem tem ouvidos ouça, o que O Espírito diz às igrejas...” Apoc 2;11 Ninguém irá inquirir, de quem é o espírito a falar em nós, quando ficar evidente que é O Espírito de Deus.

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