“Então
disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie a si
mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me; porque aquele que quiser salvar a
sua vida, perdê-la-á; quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á. Pois
que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que
dará o homem em recompensa da sua alma?” Mat 16; 24 a 26
O Mestre colocou como
perdedor da alma, em Seu exemplo, um que “ganhou o mundo inteiro”. Todavia,
essa antítese extrema tem como fim ressaltar o valor da alma, não ensinar que
os que muito ganham necessariamente a perdem; ou, que os paupérrimos serão
salvos em recompensa às privações sofridas.
Na verdade, o cerne do que foi ensinado
aqui é que o “preço” da salvação é perder a vida natural, renunciá-la; se não,
mesmo que essa, a natural, prospere a ponto de ganhar o mundo, no fim, tudo
será inútil.
Falando no fim, aliás, não é lá, necessariamente que podemos
perder a alma. Tanto quanto a vida eterna é uma bênção que podemos desfrutar
desde já, como disse Paulo a Timóteo; “Milita a boa milícia da fé, toma posse
da vida eterna, para a qual também foste chamado...” I Tim 6; 12 Também o
infortúnio de se perder a alma pode ocorrer desde já.
Escrevendo à Igreja de Sardes
na Ásia o Senhor denunciou a perda da alma de alguém que sequer identificava
tal perda, antes, descansava na presunção de ser salvo. “...Conheço as tuas obras,
que tens nome de que vives e estás morto.” Apoc 3; 1 Daí, concluir que se
perdeu a alma em plena igreja não é forçar o texto, antes, interpretá-lo.
Quando o sofrimento daqueles que nos cercam não nos comove mais, apenas parece
engraçado, quiçá, indiferente, isso é sintoma muito robusto que perdemos nossa
alma. Se nos tornamos sectários, fanáticos achando que a virtude é nossa aliada
e o vício é “qualidade” dos que eventualmente discordam de nós, também temos um
sintoma coletivo em sua manifestação do mesmo sentimento do exemplo anterior,
indiferença, egoísmo, males que tomam almas mortas.
A coisa é bem mais profunda
que a visão simplista de alguns, tipo: Está na igreja, então, tem a alma
salva; está fora? Necessariamente é um perdido.
Mesmo as coisas certas feitas
mecanicamente, sem coração, amor, alma, não passam de obras mortas, frutos de
almas igualmente mortas. Paulo foi muito didático sobre isso: “Ainda que eu
falasse as línguas dos homens e dos anjos, não tivesse amor seria como o metal
que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, conhecesse todos os mistérios, toda a ciência;
ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, não
tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para
sustento dos pobres, ainda que entregasse meu corpo para ser queimado; não
tivesse amor, nada disso me aproveitaria.” I Cor 13; 1 a 3
Se, todos esses
predicados espirituais se tornam inócuos sem amor, parece lícito inferir que o
primeiro indício de salvação da alma é a manifestação desse sentimento. Não se entenda
com isso, porém, que advogo certas posições ocas como se bastasse a definição
natural e sentimentalóide do que seja amor.
O amor ensinado na Palavra é
disciplinado responsável, obediente. “Se me amais, guardai os meus mandamentos.”
Jo 14; 15 Assim, uma alma salva importa-se com o semelhante e com Deus.
Qualquer que supuser possível trilhar pela senda da salvação divorciado disso,
nem se aproximou de “perder sua vida” que o Salvador colocou como essencial.
Por fim, o Senhor questionou sobre o que daria o homem pelo resgate da alma.
Basta que vejamos alguém de posses sofrendo uma enfermidade grave para constatar
que não existem barreiras, distâncias, valores, que impeçam o tal, de fazer tudo
pela preservação da vida; e O Senhor falava da Eterna.
Essa metáfora de perder
a vida para ganhá-la, na verdade, quer dizer abdicar da autonomia, submeter-se
ao Senhor para herdar a vida eterna. Quem se acostumou a fazer o que quis, de
repente passar a ser dependente é um grande sacrifício; essa é a ideia. “Rogo-vos,
pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em
sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional.” Rom
12; 1
Assim, nossa alma não é ameaçada por satanás, mundo, pessoas, estritamente; antes, pelo próprio
hábito de agir autônomos em rota de colisão com a finitude do nosso tempo.
Podemos perder nossas almas já, e só identificarmos quando for tarde demais. Lá
daríamos tudo; mas, então, tudo e nada serão sinônimos.
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